quarta-feira, 27 de fevereiro de 2008

No rol nos insensatos (ou seria na nau?)

Vejam só, depois da seguinte mensagem que recebi por e-mail, eu fiquei me sentindo ótima... até mesmo, óptima! Nada como pertencer ao grupo dos que levaram porrada na vida. O poeta já sabia tudo há mais de 50 anos, como podemos inventar algo novo? Só dá mesmo pra variar a cor das paredes aqui de casa. E esse chinesinho é tudo, nénão? Chego a ouvir aquela voz de mestre do Kung-fu, e ver a ironia no rosto. Eu rolei.

- Mestre, como faço para me tornar um sábio?
- Boas escolhas.
- Mas como fazer boas escolhas?
- Experiência – diz o mestre.
- E como adquirir experiência, mestre?
- Más escolhas.

domingo, 24 de fevereiro de 2008

Das meninas...


... Hoje estou naqueles dias. Só me faltava mesmo esta, depois de Brasília e de um sábado tolerável. Ao levantar pela terceira vez da cama, andar descalça pelo chão de madeira do quarto, pisar no ladrilho branco do meu banheiro azul e branco, olhar no espelho o cabelo todo desfeito, resolvi que valia a pena um post. Depois dos dois Tylenol e do café "petit noir bien serré" ver se ganhava cor de domingo. Depois, também, de um delicioso filme - tentativa vã de encontrar energia para o dia - visto pela terceira vez talvez, com a Binoche e o Jean Renno, que fala exatamente de homens e mulheres e de que a vida não vale mesmo grande coisa, exceto quando nós fazemos o nosso happy end - já que ninguém o fará por nós, resolvi falar do que me faz feliz, apesar de tudo que não é assim haut de gamme como diria o personagem masculino do dito filminho.

Vai aí:
Falar francês (é como uma segunda natureza e há dois ou três conceitos que se expressam tão bem nessa língua como: sans reproche, ah bon?!, c'est pas évident, tout à fait, je suis amoureux de vous).
Cheiro de café feito, mesmo às 6h da manhã, quando nada se mexe ainda em torno.
Café recém moído para um café a dois ainda de manhã.
Cuisine française traditionnelle (nada de nouvelle cuisine, mas a delicadeza dos perfumes verdadeiros e de uma salade niçoise bem feita).
A alegria do meu pai ao me ver e ao me ouvir contar novidades.
Cartão de um amigo querido que morava tão longe, na Africa do Sul, e que se mudou para Lisboa.
Tudo que eu guardei desse amigo querido, enviado via postal, mas detalhes tão pessoais que é quase em presença.
A primeira frase, no email de um outro que ainda mora em Berlim e que diz que nosso afeto é tão forte que resiste bem a umas semanas de silêncio pois já resistiu a 20 anos de ausência.
A voz de uma amiga ao telefone que mora no Porto e me perdoa as ausências todas e me fala sempre como se fosse ontem nossa última conversa sobre a essência da vida.
O olhar de uma ex-aluna que na sua defesa de mestrado diz que eu fui importante em suas escolhas.
Um amigo cujo cheiro eu nunca senti e que me manda livros seus apenas porque sim e que é um querido.
Um amigo que eu pouco vi mas com quem sinto uma ligação inexplicável e me fala de cinema e me oferece livros e críticas.
Mais alguns amigos que eu nunca vi mas que andam em torno, virtualmente, e me fazem sentir menos um número, mais um olhar.
Uma amiga que eu só vi uma vez, que escreve no blog dela que somos almas gêmeas, ela da rambóia, eu de tudo que não interessa pra ser feliz.
Escrever isto tudo a ouvir a Patricia Kaas que a Menina Sem Nome me ofereceu no ano passado, essa menina que está sempre a postos, seja em Aveiro quando eu precisava de um miminho e um café, seja em Berlim, para um trabalho em conjunto, à distância, só como pretexto de um novo encontro pra rirmos.
Ter recordações que são de muitos lugares mas cujo centro são sempre as pessoas, seja em Lisboa - Chiado, Restelo, CCB, Benfica, Fonte Luminosa, Rossio; em Aveiro - Galitos, UA, ....; em Évora, em Viana, em Coimbra, em Cacilhas, no Porto - na Foz, Boa Vista, Gondomar, Praça do Infante, Ribeira; no Marco; em Antuérpia, em Berlim, em Bruxelas, em Paris, no Rio, em São Paulo, e onde for meu olhar e meu coração.

sábado, 16 de fevereiro de 2008

Quando tínhamos

Desculpem, juro que não é o Valentine's. Mas em todo lugar por onde andei hoje, pensamentos desse tipo me fizeram viajar. Agora tem que ser. E porque o meu querido Guardador das Margens do Tejo anda também a esvaziar o baú da adolescência, e porque a Pit resolveu ir buscar cacau no túnel do tempo e porque eu, hoje à tarde, vi uma propaganda de um curso preparatório para as escolas militares e tinha lá escrito, bem grande, AFA, que era justamente onde estudava um delicioso e platônico amor de adolescência, que tocava violão divinamente, adorava os Beattles, e vinha pra junto de mim sempre que podia e tocava tão suave com aquelas mãos que eu nunca experimentei, juro, mas deveria. Eu sei.

Por todas essas coisas, eu tive que postar essa musiquinha abaixo. Essas letras tão simplórias, como simplórios somos todos nós quando andamos apaixonados pelo mais comum dos seres humanos e olhamos para ele, ou para ela, como se de um ser especialíssmo se tratasse. Como se trouxesse ouro, incenso e mirra a cada vez que se aproximasse de nós e como se sua figura emitisse uma luz e seu corpo exalasse um perfume que nos cegasse e nos inebriasse como só seriam capazes as mais raras substâncias.

E ao ver a propaganda que me levava a vinte anos de agora, não, mais, vinte e cinco anos para trás, no mínimo, talvez trinta, sei lá. Ao ver a tal propaganda, eu pensei em como somos outros quando acreditamos que temos pela frente todas as possibilidades e que várias delas se realizarão. Mas nós somos assim. Nós fomos. E outros serão depois de nós. Muitos foram, e outros estão sendo, mesmo agora. Basta ouvir um dos meus alunos, de uns 20 anos, vindo de outra cultura, nada latina, que vira e diz:

Isso acontece quando você está tão apaixonado por alguém, que você só pensa nessa pessoa, em mais nada além dela, e que essa pessoa é o mundo inteiro pra você, e que do lado de fora pode ser a terceira guerra mundial, mas pra você, o mundo só existe pela boca, pelos olhos e pelo movimento desse outro ser.


Foi isso que eu ouvi, há menos de um mês, em plena sala de aula, na universidade, de um jovem ruivo e sardento, vindo de Georgetown, com olhos cheios de sonho e paixão.

The Beatles - Here, There and Everywhere

To lead a better life I need my love to be here...

Here, making each day of the year
Changing my life with a wave of her hand
Nobody can deny that there's something there

There, running my hands through her hair
Both of us thinking how good it can be
Someone is speaking but she doesn't know he's there

I want her everywhere and if she's beside me
I know I need never care
But to love her is to need her everywhere
Knowing that love is to share

Each one believing that love never dies
Watching her eyes and hoping I'm always there

I want her everywhere and if she's beside me
I know I need never care
But to love her is to need her everywhere
Knowing that love is to share

Each one believing that love never dies
Watching her eyes and hoping I'm always there

To be there and everywhere
Here, there and everywhere

terça-feira, 12 de fevereiro de 2008

Era no tempo dos tamarindos


Há uns anos, tive um empreendimento, mandei reformar uma casa de 1918, fotografei todo o processo, mandei até colocar uma baywindow na área de lazer, junto à sala de vídeo, mas o que eu mais gostava mesmo, além da torre onde ficava o meu escritório - quase Rapunzel - era o modo como tinha mandado assinalar masculino e feminino nos banheiros.

Escolhi, fiz pesquisa, perguntei aos amigos, puxei pela memória, e lá juntei uns 15 ou vinte casais mais-mais da história, do cinema, da música ou da literatura. Mandei fazer dois impressos bem legais, coloridos, em um pus as mulheres e no outro os homens respectivos e afixamos cada um no seu lado.

Ficou tão interessante que era muito divertido ver quem chegava, pela primeira vez, com vontade fazer xixi, parar uns bons segundos na porta a ler os nomes e levar um susto inicial até se dar conta da proposta. A seguir, ficavam lendo tudo até o fim, ver se havia algum que gostariam que estivesse e não estava, ou a tentar reconhecer - às vezes viravam pro outro lado, ver se identificavam pelo partner quem era o par famoso. Eu não sei se lembro de todos, mas vou tentar, só como homenagem aos meus queridos que, amanhã, comemoram São Valentim ou la Saint Valentin. Cá, neste lado do globo, e especificamente neste quase continente-país, é só na véspera do Santantoninho, 12 de junho sabedeusporque.

Henry and June
Cleopátra e Marco Antonio
Ginger and Fred
Evita e Péron
Abelardo e Heloísa
Gregory Peck e Débora Kerr


Liz Taylor e Richard Burton
Romeu e Julieta
Tristan et Iseut
Camille et Auguste

Henri et Margot
Carmen e Don José
Porgy and Bess
Sansão e Dalila
Bonnie and Clyde
Pedro e Inês
Édipo e Jocasta
Ulisses e Penélope
Napoleão e Josefina
Simone et Jean-Paul
John e Yoko
Rimbaud et Verlaine
Paul et Virginie
Scarlett and Rhett

Mariana e Bouton
Jacqueline e Onassis
Maria Bonita e Lampião
Sophia e Marcello
Elza e Garrincha
Harold e Maude
Glória e Tarcísio
Grace e Rainier
Roberto e Ingrid

Isis e Osíris
Eros e Psyché

Fiquei chocada com a minha falta de inspiração. Ou de memória. Ou de ambas as coisas. Alguém me ajuda?

domingo, 10 de fevereiro de 2008

Fechando o verão...



Não dá pra resistir a essa vozinha (a dela) inconfundível, quase menina, mas vozeirão seguro; nem a esse grave delicioso de acompanhamento, do maestro, manso e envolvente. E o assobio dos dois, que se confunde com a flauta transversa.

Esse clip é o meu favorito com os dois, embora haja outros, um deles encantador, mas só com ela. Vejam só essa letra, só quem viveu nos trópicos e conhece a cultura brazuca é capaz de não se surpreender e usufruir do que parece, à primeira vista (ouvida?), um amontoado meio non-sense.

Águas de março
(1972) Letra e Música de Antonio Carlos (Tom) Jobim

É pau, é pedra, é o fim do caminho
é um resto de toco, é um pouco sozinho
é um caco de vidro, é a vida, é o sol
é a noite, é a morte, é um laço, é o anzol
é peroba do campo, é o nó da madeira
caingá, candeia, é o Matita Pereira
É madeira de vento, tombo da ribanceira
é o mistério profundo
é o queira ou não queira
é o vento ventando, é o fim da ladeira
é a viga, é o vão, festa da cumeeira
é a chuva chovendo, é conversa ribeira
das águas de março, é o fim da canseira
é o pé, é o chão, é a marcha estradeira
passarinho na mão, pedra de atiradeira

Uma ave no céu, uma ave no chão
é um regato, é uma fonte
é um pedaço de pão
é o fundo do poço, é o fim do caminho
no rosto o desgosto, é um pouco sozinho

É um estrepe, é um prego
é uma ponta, é um ponto
é um pingo pingando
é uma conta, é um conto
é um peixe, é um gesto
é uma prata brilhando
é a luz da manhã, é o tijolo chegando
é a lenha, é o dia, é o fim da picada
é a garrafa de cana, o estilhaço na estrada
é o projeto da casa, é o corpo na cama
é o carro enguiçado, é a lama, é a lama
é um passo, é uma ponte
é um sapo, é uma rã
é um resto de mato, na luz da manhã
são as águas de março fechando o verão
é a promessa de vida no teu coração

É pau, é pedra, é o fim do caminho
é um resto de toco, é um pouco sozinho
é uma cobra, é um pau, é João, é José
é um espinho na mão, é um corte no pé
são as águas de março fechando o verão
é a promessa de vida no teu coração

É pau, é pedra, é o fim do caminho
é um resto de toco, é um pouco sozinho
é um passo, é uma ponte
é um sapo, é uma rã
é um belo horizonte, é uma febre terçã
são as águas de março fechando o verão
é a promessa de vida no teu coração

É pau, é pedra, é o fim do caminho
é um resto de toco, é um pouco sozinho

É pau, é pedra, é o fim do caminho
é um resto de toco, é um pouco sozinho

Pau, pedra, fim do caminho
resto de toco, pouco sozinho

Pau, pedra, fim do caminho,
resto de toco, pouco sozinho

(1) Caingá - Madeira de lei do Maranhão
(2) Candeia - várias coisas: (i) espécie de lamparina; (ii) como o Caingá, madeira de lei que também tem propriedades medicinais.
(3) Matita Pereira é o nome verdadeiro do "Saci Pererê"

(4) Picada - caminho estreito, trilha, mas a expressão "é o fim da picada" foi muito usada no Brasil, nos anos 70, significando algo absurdo, inaceitável. Sabe Deus o que o Tom queria/quis mesmo dizer com isso.

elis e tom - aguas de março

Ainda há pouco, enfrentei todo o engarrafamento sussurrando essa deliciosa memória. Isso é a cara da época, embora este ano a época, o granizo e as tempestades tenham chegado mais cedo.

domingo, 3 de fevereiro de 2008

Metafísica dos blogs

Tudo porque as pessoas são, às vezes, seres desprezíveis, pretensiosos, sem noção do que representam, arrogantes, invasivos, invasivos, invasivos. Diante da minha distração, ao me desproteger e não valiar que estava em presença de um desses seres, acabei vindo cá parar. É uma chatice isso de ter de criar um novo espaço, só para preservar uma vaga noção mínima de privacidade. Que seja. Já que tinha que ser, vai ser um pouco diferente do que foi. Não posso dizer completamente diferente. Por mais que nos esforcemos, nunca conseguimos. Somos sempre muito parecidos com o que somos. Talvez a tragédia esteja aí. Se pudéssemos ser outro, a vida se resolvia na sua insignificância. Mas como diz o Pessoa:


Tirem-me daqui a metafísica!
Não me apregoem sistemas completos, não me enfileirem conquistas
Das ciências (das ciências, Deus meu, das ciências!) —
Das ciências, das artes, da civilização moderna!

Que mal fiz eu aos deuses todos?