segunda-feira, 22 de dezembro de 2008

Fallait-il que l'on s'aime, et qu'on aime la vie


Fui a um concerto. Ou a um show, como queiram, daí ou daqui. Tinha Gilberto Gil, insosso e de menor expressão. Mas tinha Lenine, vibrante e cheio de tesão. (oopsss! É que saiu, rimava tão bem, não só na letra mas também na atração). E tinha o Aznavour, idem idem como o Lenine, com a diferença que ele tem mais uns quarenta anos que este último. O francês, armênio de nascença, magrinho, grisalho e com uma energia e entusiasmo de fazerem inveja aos meus cabelos pintados e ao meu DNA quarentão.


Foi o lançamento oficial do França.br, Ano da França no Brasil. Mas teve gente do meu lado que disse que, na verdade, os franceses estão mesmo interessados em vender armas e submarinos ao Brasil, para enfrentar o Chavéz. Alguém pode me explicar? É que fiquei matutando no fato de que o Brasil tem fronteira terrestre com a Venezuela e, a julgar pelo noticiário, o Lula e o psicótico presidente amigo do Evo, estão mais para bater uma pelada aos domingos do que para jogar batalha naval.

O jovem avançado na idade brasileiro cantou essa aí de baixo. E o idoso vendendo energia e jovialidade francês cantou a outra e várias mais. E essa letra cai tão bem na saison!


A gente vem do rap e da favela,
A gente vem do centro e da periferia,
A gente vem da maré, da palafita,
Vem dos orixás da Bahia,
A gente traz o desejo de alegria e de paz ...
Lenine

L’Année du Brésil en France, Brésil Brésils, en 2005, a connu un vif succès et permis de mesurer l’intérêt grandissant que le Brésil, puissance émergente, suscite en France. Désireux de poursuivre et d’approfondir les partenariats noués à cette occasion, les deux Présidents de la République ont décidé d’organiser un grand événement retour, une Année de la France au Brésil, França.br 2009


Le temps
Le temps qui va

Le temps qui sommeille

Le temps sans joie

Le temps des merveilles

Le temps d'un jour

Temps d'une seconde

Le temps qui court

Et celui qui gronde


Le temps, le temps

Le temps et rien d'autre

Le tien, le mien

Celui qu'on veut nôtre


Le temps passé

Celui qui va naître

Le temps d'aimer

Et de disparaître

Le temps des pleurs

Le temps de la chance

Le temps qui meurt

Le temps des vacances


Le temps, le temps

Le temps et rien d'autre

Le tien, le mien

Celui qu'on veut nôtre


Le temps glorieux

Le temps d'avant-guerre

Le temps des jeux

Le temps des affaires

Le temps joyeux

Le temps des mensonges

Le temps frileux

Et le temps des songes


Le temps des crues

Le temps des folies

Le temps perdu

Le temps de la vie

Le temps qui vient

Jamais ne s'arrete

Et je sais bien

Que la vie est faite


Du temps des uns

Et du temps des autres

Le tien, le mien

Peut devenir nôtre


Le temps, le temps, le temps
Charles Aznavour

domingo, 7 de dezembro de 2008

Ainda o amor...

...or what some use to call love.

Já que a Telma mencionou. Eu estou aqui matutando sobre a correlação que ela fez entre "Vicky Cristina Barcelona" e este poema. Por via das dúvidas, segue o poema que eu conheço bem e já tinha até esquecido. Vou buscar os meus livre de poche do Prévert pra ver a vida sob outro ângulo.


Pour toi mon amour







Je suis allé au marché aux oiseaux
Et j'ai acheté des oiseaux
Pour toi
Mon amour
Je suis allé au marché aux fleurs
Et j'ai acheté des fleurs
Pour toi
Mon amour
Je suis allé au marché à la ferraille
Et j'ai acheté des chaînes
De lourdes chaînes
Pour toi
Mon amour
Et je suis allé au marché aux esclaves
Et je t'ai cherchée
Mais je ne t'ai pas trouvée
Mon amour

Jacques Prevert

sábado, 6 de dezembro de 2008

Sinterklaas


Hoje, 6 de dezembro, é dia do Nicolau, ou o outro nome do Papai Noel. Pois é, essa história de que ele chega na noite de 24 é pura conveniência para pais e comerciantes que, desse modo, têm quase o mês de Dezembro inteiro para vender e comprar bugigangas e afins de uma variedade quase ilimitada de formas e preços. A tradição vem da Europa do Norte, ou Central, ou de Espanha. Ou, acreditem vocês de onde quiserem.

A primeira vez que ouvi falar deste dia, foi anos atrás, na minha aula de alemão. Tinha uma professora jovem e divertida, de Munique, que levou chocolate pra nós, todos maiores de 18, e contou a história da tradição da terra dela. A coisa deve ter me impressionado tão bem que eu nunca me esqueci. E hoje, ao ver a data no relógio do computador, deu vontade de pensar em o que eu pediria ao bom velhinho se pudesse acreditar. Vamos lá.

Para o Nordeste do Brasil, eu pediria chuva em abundância, mas apenas o suficiente pra fazer o chão gretado se transformar num jardim verde e espalhar o cheiro de terra molhada pela vizinhança, e trazer brilho ao olhar e conforto aos viventes.

Para Santa Catarina, eu pediria um milagre completo, muito completo mesmo. A cada novo dia, surge uma nova modalidade de desgraça consequência das inundações recentes. Portanto, só mesmo um milagre dos bons e abrangente. O resto já estão fazendo os voluntários e a solidariedade inata dos seres humanos.

Para o meu vizinho, eu pediria tolerância com meu barulho de saltos no assoalho de manhã, com a água que pinga quando eu rego os vasos da varanda, com o vazamento que pode acontecer a qualquer hora, além disso, pediria um sorriso quando eu passar por ele/ela na garagem e solidariedade quando eu esquecer o controle da garagem.

Para a minha família, eu pediria o amor incondicional de sempre, a comida fresquinha que sai infalivelmente das panelas da minha mãe, o abraço do meu pai em caso de cano estourado, batida de carro, ou crise profissional.

Para os meus amigos, eu pediria carona à meia-noite em dia de chuva, viagens divertidas e inesperadas, socorro em caso de desespero ou de abandono repentino, e tempo para uma caipirinha em fim de tarde, nem que seja uma vez por ano.

Para o meu coração eu pediria abraços, gargalhadas, música alta, música lenta, música suave conforme o dia.

Para a minha alma eu pediria luz e paciência com a inquilina.

E você, vai pedir o quê?



domingo, 30 de novembro de 2008

Mais um item de cinema


Hoje foi dia de Burn after reading. Gente, esses irmãos Cohen tão cada vez mais folgados. Dão-se ao luxo de fazer qualquer filme (agora vou ser execrada pelos experts!) pelo simples motivo de que há quem pague a fatura, e eu estou sendo absolutamente literal, não há metáfora nisso. Estou falando mesmo do financiamento da produção de um filme, que é gasto inerente à sua realização. Ainda mais considerando o casting escolhido... ui!

Agora, digam, se fosse um ilustre desconhecido tentando fazer um filme com esse argumento, duvido que encontrasse dinheiro. OK, eu sei bem que há realizadores que podem ter em mãos qualquer roteiro que a coisa vai sempre correr bem.

Foi o caso. É genial a idéia de construir uma história, incluindo 3 mortes bestas, em cima de um equívoco estúpido. E nem sequer há uma nuance de suspense ou de tragicidade. O filme não é trágico, embora fale de relacionamentos desmoronados, vidas em frangalhos e mortes inexplicadas. Claro que os atores escolhidos ajudam. O que eu mais gostei foi o John Malkovich e a fria personagem da Tilda Suinton, ainda melhor por nem sequer se questionar sobre a sua condição.

Enfim... fico aguardando a crítica a sério do Mr Movie. A propósito, alguém pode me explicar o que aconteceu com o personagem do George Clooney? É que eu me virei para fazer um comentário bem na hora em que o estúpido do ex-chefe do Malkovich descreve o que se passou e fiquei sem saber o desenlace desse item.

Ai Jesus, que eu vou conseguir me redimir das minhas faltas ao cinema nos últimos meses!

sábado, 29 de novembro de 2008

Seja sexo ou cinema


Fui ver o novo Woody Allen. Gostei. Diria mesmo que gostei muito. Ri do humor que execra o grotesco que há na sociedade americana, mas não apenas nela, em quase todas, mas que nela é como que validado e abençoado pelo status quo, enquanto em outras, europeias, por exemplo, parece algo apenas tolerável, como a futilidade e o materialismo levados à sua mais refinada estupidez. Gente que fala de decoração como se da essência da vida se tratasse. Boring people. Porém apenas no contraste com outras coisas, digamos, mais radiantes de vida. Botem as mesmas abordagens e os mesmo diálogos em uma daquelas revistas lindas em papel cochê, com uma quantas fotos de lugares clean and basic, com cores cruas e boa luz e fica tudo tolerável. Parece que o mundo só existe no contraste. Como afirmam aliás, alguns lingüistas, mas, OK, eles falam de outros fatos, outras problemáticas. Mas os psi tb dizem isso: eu existo enquanto mulher porque me oponho a outros seres que são homens. Reconheço-me na minha cultura pois encontro indivíduos de outras culturas, tão seguros da sua validade absoluta quanto eu da minha a ponto de esquecermo-nos, uns e outros, da relatividade gritante que há em cada escolha, em cada olhar, em cada comentário.

Mas gostei do filme. Aí, chega um indíviduo blasé, ou que se quer acima do resto da pobre humanidade, na qual eu me incluo (essa humanidade que expressa abertamente o prazer que obteve do ato), e o tal indivíduo diz aquela baboseira que a gente já ouviu algumas vezes, que o bom mesmo do WA é o seu lado depressivo, que "esse sim é o WA que eu gosto" e que o resto é só mais um filme bem feito e passemos aos mesmos comentários acerca de Almodóvar, e por aí vai. Saímos da sala de cinema e passamos à realidade nua e crua e impregnada daqueles terríveis cheiros de um shopping center, em que se misturam as comidas mais bestas com os perfumes dos usários, num pot-pourri enlouquecido, o qual só se consegue suportar se começamos a pensar na filosofia mais abstrata da vida. Aqui entra a minha principal observação sobre o evento desta noite.

Diria eu ao indivíduo blasé (caso tivesse o que se chama no cotovelo da Europa, pachorra) "olha só, bem feito, pra mim, é o que me dá prazer, seja sexo ou cinema" e ponto. Tá certo, tem que ter fotografia, música e algo que escape a todas a enumerações objetivas mas que é resultado da soma de todos os itens que compõem a obra, mas que não é passível de identificação individualizada. De toda forma, não tou muito preocupada se o realizador (essa palavra até cai bem nas duas situações) é calvo ou branquela, se escolhe bem a cor da camisas ou se come rúcula com os dedos. Só não pode ter um cheiro que me afaste ou uma voz que não me envolva. E tem que fazer filmes que me envolvam em alguma parte indefinida do meu ser ou da minha existência. Claro, pois eu estava falando de cinema, sobretudo. Aliás, eu até acho que gosto mais de cinema do que de sexo (ou é a noite de chuva depois de muito trabalho). É que cinema é um produto que já está acabado e pronto quando você vai usufruir dele. Sexo você tem que construir e depende do humor (seu e do outro) no momento. E depois, cinema, assim como sexo, você tem 50% de chances de gostar ou não gostar, mas se gostar, do cinema, você vai poder repetir a dose e o prazer, sem se preocupar se estará num bom momento, ou se você envelheceu, ou se mudaram as suas preferências. Em geral, se você gosta de um filme, sobretudo se você gosta de um diretor, você gosta dele, não vai mudar de opinião. Pode moldar o olhar, aliás, aqui também, acho que o objeto modela o olhar, caso você goste da primeira vez. Já o sexo... eu nem preciso desfiar o que os mais crescidinhos já estão fartos de saber... próximo filme, por favor. E sem companhias experts em cinema, please.

sexta-feira, 21 de novembro de 2008

CEP 20.000


Encontrei por vias transversas - tudo parece sempre acontecer por essas vias, aliás - um lugar que se chama Rio que mora no mar. Tem coisas básicas, sem ufanismo, só a mera constatação de, que me desculpem os de outros lugares (parodiando o Vinícius), mas o Rio é fundamental. Vou colocar nos links, mas recomendo uma passagem imediata por aqui.

segunda-feira, 17 de novembro de 2008

Sobre blogs e blogueiros

O Lauro Antonio Corado é um bloger inattendu e insuspeito pois não faz parte da geração blog padrão, também não passou a adolescência escrevendo pessoalidades e usando codificações duvidosas que só têm por mérito isolar em uma redoma de linguajar pequenos (ou grandes) grupos de semi-desocupados (ou de desajustados de qualquer espécie) como é o caso, em geral, do jargão adolescente de conteúdo, em geral, esvaziado.

E assim, escrevendo em linguagem impecável e usando textos, às vezes, longuíssimos - contra toda padronização bloguística - Lauro consegue o inesperado, ter um blog atualizado e interessante, multidomínios e agradável aos olhos, levando o caráter plurissemiótico do gênero às últimas conseqüências, mas sem cair no vulgar ou se descaracterizar. O LA apresenta tem uma identidade que não se perde e a não perder.

Tudo isto para dizer que ele nos ofereceu um excelente texto sobre o gênero blog que, apesar de longo, considero leitura necessária para quem se interessa genuinamente pelo gênero, seja para brincar de escritor de blogs, seja para exercer o papel de leitor público ou incógnito como tantos
lurkers que conheço. Ou, para quem começa, como eu e outros, a criar sistematizações passíveis de serem utilizadas em aulas de práticas da linguagem, onde se ensina que a Internet e seus gêneros há muito deixou de ser brincadeira de adolescentes e "desocupados" - rótulo muito em uso na década passada - e se tornou coisa séria. Séria no que diz respeito aos processos de construção e aos seus conteúdos, mas ainda e sempre genuinamente lúdica na forma e nos conteúdos. Deixo, abaixo, uma provinha para quem tem pressa, mas tudo está aqui, é só clicar.

Navegar na Internet, surfar pelos blogues impõe uma mentalidade nova e um rigor cada vez maior. A ingenuidade não é mais possível e essa é uma das características para que urge alertar o consumidor passivo destas novas ferramentas tecnológicas.
(...)
A blogosfera tem de tender a ser essa terra de respeito mútuo, de construção colectiva, de utopia possível.
Numa altura em que quase todas as utopias ruíram, em que os valores se afundam, em que o materialismo guerreiro se tenta instalar com os resultados que todos vemos, é importante reinventar novas utopias, que sendo utopias todos sabemos não cumpridas a cem por cento no futuro, mas prováveis de concretizar em larga medida.

quarta-feira, 5 de novembro de 2008

Para além do simbólico e dos democratas - um aniversário

Se eu fosse um ultraconservador republicano, diria que ela só podia mesmo ter nascido num dia como o de hoje. Ou, por outra, que o Obama só podia ser eleito num dia como o do aniversário dela. É quase o mesmo. O fato é que a Menina sem nome faz anos hoje e já que ela não deve ter tido arroz-doce em condições, deixo-lhe aqui um mimo, diretamente de uma primavera que nunca mais voltará, pra nenhuma de nós, mas que merecemos todas lembrar muitas vezes. OK, o Bárbaro Branquinho também.

Feliz Aniversário!

Por questões de segurança e privacidade digital, foto absolutamente fantasiosa. Todas as situações e personagens foram inventadas - exceto pelo arroz doce que foi a mãe da S. quem fez e estava uma maravilha; o vinho e o doce de figo que a L. trouxe também; o jantar que a T. fez idem; além dos risos e da farra que foi ótima; e o queijo da serra, claro.
Qualquer semelhança com pessoas ou fatos reais é mera coincidência.

Do simbólico para os humanos


Não é porque eu ache que as coisas podem mudar como num passe de mágica. Mas porque nós precisamos de símbolos e rituais para empreender mudanças e foi-nos oferecido um símbolo como há muito muito muito tempo não tínhamos. Adorei ler as notícias hoje ao acordar e não é porque eu seja ingênua ou acredite em milagres (eu até acredito!), mas eu prendo-me sobretudo ao valor simbólico desta eleição. Foi o acontecimento do ano. Hors-concours pra tudo!

A foto me foi enviada pela Olga, visitante itinerante deste boteco.

sábado, 1 de novembro de 2008

Fim do quartinho dos fundos


Este blog já ultrapassou, em postagens, a minha idade em anos e eu estou num impasse. Eu sempre chego a este tipo de impasses, pois, por mais que assuma compromissos comigo e com os outros, a minha natureza não aceita bem esquizofrenias e eu só consigo ser inteira em cada coisa e não só uma parte de mim e do que eu sou, para guardar sovinamente a outra (ou as outras) parte para uma melhor ocasião.

Com este blog acontece o mesmo. Melhor dizendo, este era para ser a parte pública e o outro, a casa da árvore, o interior, o quartinho dos fundos da minha boate onde só entrariam os VIP para beber scotch 12 anos ou fumar o melhor fumo. Como eu não fumo coisa alguma e me satisfaço com Johny Walker 8 anos, dividi-o com todos os que passam e cujo olhar, ainda que virtual, me parece límpido e do bem, ou louco e intrigante. E eu dificilmente me engano com os olhares.

Assim, hoje vou ser íntima e pessoal, pois é difícil ser outra coisa o tempo todo. Claro, estou aprendendo que em determinadas ocasiões, em certos espaços e com específicas pessoas, é preciso ser sempre menos, só uma parte e nunca, nunca, nunca ser o que se é, sob o risco de dar com os burros n'água e sair de nariz esmurrado, joelhos feridos e dente quebrado, sobretudo se não se sabe pôr as mãozinhas na frente quando se cai. Isso é outra coisa que eu nunca aprendi, apesar dos aniversários, pôr as mãos na frente. Mas ainda não desisti. Só que sou má aluna, talvez esse seja o problema.

Fui boa aluna na escola, no colégio, na faculdade. Fui ótima aluna no mestrado e no doutorado. Mas, na vida, sou má aluna: indisciplinada, cheia de vontades e com péssimos hábitos como os de me apaixonar por muitas coisas e por algumas pessoas. Depois que a paixão se instala, eu faço qualquer coisa para prolongar a experiência, mas todos sabemos que as exposições acabam, que as pessoas desaparecem, morrem, se mudam e que no fim daquele maravilhoso espetáculo do Gades a cortina sempre se fecha definitivamente e é hora de levantar da cadeira, encontrar um transporte e seguir para casa.

Estou começando a me exercitar na arte de encontrar o transporte certo e escolher o caminho mais curto e seguro para casa. Mas a vida é tão mais interessante do que isso (quase) o tempo todo...

domingo, 19 de outubro de 2008

Olha praí, olha...



... é o que quer dizer o título do filme que vi ontem. Tem a função de um protesto, de uma exclamação de enfado, no baianês delicioso dos personagens. Tem tudo que a gente tem no Brasil e em boa parte do mundo: heróis, canalhas, malandros, prostitutas, foliões, desgraças, alegrias baratas, beatas, macumbeiras e assassinos, além de muita cor, no entorno e nas pessoas. Tem também música da boa, com a Virgínia Rodrigues cantando que é uma delícia e metade do casting dançando à toa. Termina com um toque de realidade feliniano, não fosse o filme inteiro já bem realista. Mudou meu fim de semana, e eu nem me importo se é filme B ou Y... é filme e é um bocado autêntico.

Gabeira ou um fato eleitoral muito novo, para o meu amigo Joca


MARTHA MEDEIROS

Se o Gabeira ganhar

“Sempre fomos amigos, ele é uma pessoa capaz e não pretendo vencer a qualquer preço.” O autor dessa frase é Fernando Gabeira, avisando que não engrossará o tom da campanha para enfrentar Eduardo Paes no segundo turno pela prefeitura do Rio.Infelizmente, algumas mulheres e homens íntegros costumam dar férias para sua integridade durante campanhas eleitorais. Nessa hora, todo mundo vira leão e quer devorar o outro. Imagine um candidato admitir, antes do resultado final, que o adversário é um homem capaz. Por essas e outras é que a grande novidade desta eleição foi a votação expressiva de Gabeira, a despeito de todos os preconceitos que poderiam barrar a alavancagem de sua candidatura. Isso, por si só, já é uma vitória do Brasil – não só do Rio de Janeiro.

Se Gabeira ganhar, será a prova de que o brasileiro está votando de forma mais consciente e que cansou de ficar se lamentando em balcão de bar, repetindo a ladainha de que político é tudo igual.Se Gabeira ganhar, saberemos que existe uma parcela da população que não tem medo de quem possui uma mentalidade aberta e que está apostando em novos horizontes, em quem tem experiência não só política, mas de vida.

Se Gabeira ganhar, finalmente teremos em um cargo público um homem que conversa com o eleitor feito gente grande, dizendo exatamente o que pensa, em vez de apelar para discursos fleumáticos e repetitivos, entulhado de jargões.Se Gabeira ganhar, vai ser a recompensa merecida por ele ter peitado Severino Cavalcanti, dando nele um cala-boca que todos nós gostaríamos de ter dado na ocasião do “mensalinho”.

Se Gabeira ganhar, não será apenas o deputado federal que assumirá o cargo, mas também o escritor e jornalista que tantas vezes defendeu as liberdades individuais, os direitos humanos, as formas alternativas de viver em sociedade e que possui uma consciência ecológica que vem de muito antes disso virar moda.

Muitos políticos – inclusive Fogaça e Maria do Rosário, que disputarão o segundo turno aqui em Porto Alegre – já eliminaram a pose de super-heróis e a prosa característica dos “profissionais” do ramo, aqueles que dizem apenas o que o eleitor quer ouvir, sem compromisso com a viabilidade do que está sendo dito.

Mas Fernando Gabeira, pela projeção nacional que tem e pela cidade problemática que pretende governar, é o fato eleitoral de 2008. É interesse de todos que o Rio resolva suas dificuldades, e que a política brasileira espane a caretice e ganhe um perfil mais corajoso e cosmopolita. Se ele será um bom prefeito, caso vença? Não tenho bola de cristal. Mas ter superado a desconfiança diante da sua biografia incomum já é motivo para comemorarmos.

Retirado do Jornal Zero Hora, que circula na cidade de Porto Alegre, localizada a uns bons 1.500 km do Rio de Janeiro.

segunda-feira, 6 de outubro de 2008

G de...



... Gabeira!

"Vossa Excelência está em contradição com o Brasil, sua presença (a de Severino na presidência da Câmara) é um desastre para o Brasil"

Com essa frase, ele iniciou, em 2003, o movimento de cassação do corrupto presidente da câmara que saiu de lá, vinte-e-um dias depois.

Contra todas as previsões conformistas (e a minha ajuda!), o senhor de 67 anos virou o jogo no primeiro turno. Tou em campanha a partir de agora.








domingo, 5 de outubro de 2008

Francesco


Eu devia ter uns 12 anos, não mais. Era a primeira vez que ia ao cinema sozinha. Pelo menos foi isso que acabou acontecendo. Eu marquei com uma colega de escola que não apareceu, era um cinema de bairro, pertinho da escola, que hoje não existe mais. Eu tinha comprado a entrada e, quando deu a hora, entrei e fui sozinha, orgulhosa da minha coragem, assitir ao meu primeiro Zefirelli: Fratello sole, sorella luna. Na época eu nem sabia bem o que era cinema, ou melhor, Cinema, com capital letters, mas eu sabia que a sensação da telona e tudo que vinha a seguir ao apagar das luzes era uma das melhores sensações que já tinha experimentado.

O filme deixou marca indelével. Hoje, mais de 30 anos depois, eu consigo lembrar da impressão que me causou. Lembro, sobetudo, da impressão que aquela figura masculina e frágil me causou. Nunca mais eu me livrei da sensação. Virou um ícone. Na época eu começava a frequentar a igreja católica por minha livre vontade, freis agostinianos e comunidades de base onde viria a surgir o primeiro partido de esquerda, quando a ditadura finalmente fosse dada por encerrada, 10 anos depois. Alguns anos mais, veio a decepção com a instituição. Vieram outras leituras, vieram outras experiências, individuais ou em grupo, e eu me afastei daquela igreja, embora me diga sempre católica, sei que sou isso mesmo, ainda que tenha concepções que se afastam muito das regras em vigor e cada vez mais, a julgar pelos dois últimos pontífices.

Uma coisa, porém, permanece daquela experiência "cinematográfica" em mim: Francesco. O de Assisi. Nunca mais na vida livrei-me da admiração e de uma ternura solidária por aquela figura de homem que, intimamente, eu sei, ninguém jamais vai descrever com fidelidade, dada a distância temporal, o desgaste histórico, o sobrepor, incessante e desmesurado, de imagens e interesses sobre a figura original. Como se fosse um afresco antigo que desaparece sob a cal, reaparece com novas cores, com dourados improváveis, com descalabros. Seja como for, eu sou absolutamente hipnotizada pelo Francesco d'Assisi. E as coincidências andam sempre rondando.

Há anos, em Florença, no mercado ao lado da entrada da Ponte Vecchia (a que incendiou, mais tarde), todos compravam um sem número de coisas, grandes e pequenas, eu, a única coisa que comprei, pois achei aboslutamente extraordinária, foi um crucifixo em madeira, daquelas imagens típicas da iconografia bizantina, com dourados e sem perspectiva. Era a imagem mais bonita que eu já tinha visto de crucifixo, a mais singela também. Ainda me encanta aquele estilo, há uns anos em Antuérpia, fui parar dentro de uma igreja ortodoxa, com aquela conhecidíssima imagem da N.Sa. do Perpétuo Socorro, bem bizantina, chapada em uma parede de uns 5 metros de altura. Linda.

Pois bem, o crucifixo florentino eu guardei e ainda está em uma parede de corredor da minha casa, acompanhou-me em muitas andanças e démenagements. Este ano, pela Páscoa, fui a uma exposição de crucifixos organizada no centro cultural do católico lugar onde trabalho, vejo o "meu" crucifixo entre os trezentos e tantos exemplares, pergunto ao padre que organiza a exposição alguma informação sobre o dito e ele, muito naturalmente, responde: esse é o Cristo de Assis. Eu quase caio dura, pois aquela compra, treze anos atrás, tinha sido absolutamente intuitva, a minha (se é que se pode chamar assim) devoção começou a se concretizar bem mais tarde. Descobri, hoje, que, de fato, aquele crucifixo é o que estava na igreja de San Damiano, construída por Francisco e seus amigos, reconstruída de uma capela em ruínas. Aquela, não a outra, basílica rica e pomposa, que nada tem a ver com a simplicidade e o que devia ser o coração daquele homem.

Desde então, ganhei umas quantas imagens, comprei outras, aprendi pequenos detalhes, descobri o Tau, encontrei um editor paulista que é tão devoto que tem imagens de Francesco de todos os lugares por onde já passou. Descobri que no Nordeste do Brasil, é o Francisco das Chagas, destino de peregrinação em época de seca ou de qualquer outra aflição. Ganhei de uma pessoa especial um exemplar de lá, feito em madeira, por um mestre-santeiro conhecido. Também comprei algumas, muito menos do que as que me foram oferecidas.

Ontem foi dia dele. Da morte dele. E eu tinha que falar sobre isso hoje. Agrada-me mais do que mencionar a República Portuguesa, ou as nossas eleições, embora, eu tenha feito uma prece silenciosa, com todo o meu coração, antes de apertar o botão da minha eletrônica urna, para que um pouco da energia e do espírito do Francesco escorram lá da velha Assisi até nós.


sábado, 4 de outubro de 2008

De poetas e de gatos


Uma das raras e preciosas frequentadoras deste boteco fez uma postagem que eu, absolutamente, preciso divulgar. Vejam aqui, o que faz um poeta quando é humilde o suficiente para admirar essas especiais criaturas, os gatos.

terça-feira, 23 de setembro de 2008

Maria Keil - Será possível?

To: Metropolitano de Lisboa
Maria Keil (gosta que a tratem apenas por Maria) nasceu na cidade de Silves, em 1914. Partilhou a maior parte da sua vida com o arquitecto Francisco Keil do Amaral, com quem se casou, muito jovem, em 1933. De lá para cá fez milhares de coisas, sobretudo ilustrações, que se podem encontrar em revistas como a “Seara Nova”, livros para adultos e “toneladas” de livros infantis, os de Matilde Rosa Araújo, por exemplo, são em grande quantidade. Está quase a chegar aos 100 anos de idade de uma vida cheia, que nos primeiros tempos teve alguns “sobressaltos”, umas proibições de quadros aqui, uma prisão pela PIDE, ali... as coisas normais para um certo “tipo de pessoas” no tempo do fascismo.

Para esta “história”, no entanto, o que interessa são os seus azulejos. São aos milhares, em painéis monumentais, espalhados por variadíssimos locais. Uma das maiores contribuições de Maria Keil para a azulejaria lisboeta, foi exactamente para o Metropolitano de Lisboa. Para fugir ao figurativo, que não era o desejado pelos arquitectos do Metro, a Maria Keil partiu para o apuramento das formas geométricas que conseguiram, pelo uso da cor e génio da artista, quebrar a monotonia cinzenta das galerias de cimento armado das primeiras 19, sim, dezanove estações de Metropolitano. Como o marido estava ligado aos trabalhos de arquitectura das estações e conhecendo a fatal “falta de verba” que se fazia sentir, o Metro lá teve de pagar os azulejos, em grande parte fabricados na famosa fábrica de cerâmica “Viúva Lamego”, mas o trabalho insano da criação e pintura dos painéis... ficou de borla. Exactamente! Maria Keil decidiu oferecer o seu enorme trabalho à cidade de Lisboa e ao seu “jovem” Metropolitano.

Finalmente, a história! Recentemente a Metro de Lisboa decidiu remodelar, modernizar, ampliar, etc, várias das estações mais antigas e não foram de modas. Avançaram para as paredes e sem dizer água vai, picaram-nas sem se darem ao trabalho de (antes) retirar os painéis de azulejos, ou ao incómodo de dar uma palavra que fosse à autora dos ditos.

A parte “realmente boa” desta (já longa) história é que, ao contrário de quase todos os arquitectos, engenheiros, escultores, pintores e quem quer que seja que veja uma sua obra pública alterada ou destruída sem o seu consentimento, Maria Keil não tem direito a qualquer indemnização.
Pergunta-se “porquê? Porque na Metro de Lisboa há juristas muito bons, que descobriram não ser obrigatório pedir nada, nem indemnizar a autora, de forma nenhuma... exactamente porque ela não cobrou um tostão que fosse pela sua obra!!!
Este crime silencioso não pode continuar impune. Pior do que o crime em si será o (nosso) silêncio à sua volta.

Como tal os abaixo assinados exortam o Conselho de Gerência do Metropolitano de Lisboa a, rapidamente, deligenciar obter os desenhos dos painéis destruídos e mandar executar, à empresa que produziu (a Viúva Lamego) novos painéis.
Com todo o respeito, os abaixo assinados.

Retirado daqui, onde se pode assinar a petição.

Por favor, meus queridos portugueses, digam que isso é mentira.

terça-feira, 16 de setembro de 2008

Da cor do sol



Que Deus me dê, antes de morrer, os sabores da cor do sol. Do sol que arde no deserto dos homens azuis; do sol que paira sobre a Toscana dos muros ocres; do sol que banha o Mediterrâneo das casas brancas; do sol que brilha no Nordeste e faz as mangas serem tão perfumadas e doces que só de passar perto delas apetece não ser mais nada além de um ser vivo que pode se alimentar do cheiro e do sabor que elas guardam; do sol das laranjas de Allambra, das laranjas da Bahia, das laranjas que jazem numa banca à espera, em um frasco feitas cristal, com açúcar e magia e derretem na boca depois do jantar.

E que Deus me dê, igualmente, antes de morrer ( e mais algumas vezes antes disso, se possível) todos esses sabores e aromas e mais os do encarnado tomate seco ao sol, molhado no azeite, temperado com hervas e desejo. E que me dê, também, para acompanhar, a maciez do centeio feito pão, como nas serras da infância da minha mãe e que se possa regar tudo isso, com a dourada cerveja ruiva que os monges se encarregaram de nos deixar de herança, para não esquecermos que o estômago fica perto do coração e que os lábios saboreiam e beijam com a mesma saliva e intensidade.


domingo, 31 de agosto de 2008

Because the world will always welcome lovers...

... as time goes by.

Eu bem precisava de um break nesta minha bronca and he gave me a break. Thanks so much, Mr Movie.

Apesar de todas as broncas e de tudo que é tão mais ou menos, ou francamente dispensável, restam os passatempos de verão do meu querido Lauro Antonio e o seu final que é imbatível, de todos os filmes, de todos os affairs, de todos os tempos, Casablanca. Mas esse filme não seria esse filme, se não fosse Miss Bergman, imbatível, e se não fosse a voz de Blue Eyes e se não fosse esta canção. Para coroar um verão na casa do cinema, só podia ser isso. Então, minha humilde concordância com um post maravilhoso que está aqui.

You must remember this
A kiss is still a kiss
A sigh is still (just) a sigh
The fundamental things apply
As time goes by

And when two lovers woo
They still say: "i love you"
On that you can rely
No matter what the future brings
As time goes by

Moonlight and love songs - never out of date
Hearts full of passion - jealousy and hate
Woman needs man - and man must have his mate
That no one can deny

It’s still the same old story
A fight for love and glory
A case of do or die
The world will always welcome lovers
As time goes by

sábado, 30 de agosto de 2008

Espanto


Coisas que não consigo entender:

1. Polícia Federal falando em nome do presidente da república.
2. Crianças vítimas da violência materna ou paterna.
3. Tribunal de Justiça que favorece assassinos.
4. Meninas de cinco anos atiradas pela janela pelo pai.
5. Candidato a prefeito aliado a traficantes.
6. Bebê de três meses atirado pela janela.
7. Agricultores contra índios, índios contra brancos, brancos contra índios, índios contra índios.
8. Bebê de três meses incendiada pela mãe de dezoito.
9. Polícia paga pelo contribuinte que não protege o contribuinte.
10. Grávida de vinte e um anos morta com bala na cabeça em lan house.
11. Jovem de vinte anos morto por procurador de justiça no posto de gasolina.
12. Jovem de dezoito anos morto por policial na festa.
13. Bebê de um ano incendiada pela mãe de dezoito anos.


Além disso, não entendo a inveja entre amigos, o ódio em família, a mesquinhez entre humanos, as palavras não ditas, os abraços poupados, as ofensas distribuídas, o céu azul desperdiçado.

Foto de JP Coutinho tirada daqui.

sexta-feira, 22 de agosto de 2008

Tristes trópicos... tristes???


"Ninguém pretende que a democracia seja perfeita ou sem defeito. Tem-se dito que a democracia é a pior forma de governo, salvo todas as demais formas que têm sido experimentadas de tempos em tempos."Churchill (1874-1965)



Há, realmente, coisas que só devem acontecer por aqui, nestes trópicos que o Strauss chamou de tristes, mas que, ao contrário, me fazem rir satisfeita e acreditar que, como o Churchil comentou sobre a democracia, este lugar também deve ser, entre todos os do planeta que não se parecem (ou, sim, parecem) com o paraíso, o pior lugar, salvo todos os outros.

Estava eu no já esperado, terrível e temível engarrafamento de sexta em fim de tarde na Lagoa. Tinha até me preparado para a prolongada espera dentro do bólido vermelho, comprei Prestígio e Suco de uva diet. Quando, a vida ou a cidade (pois eu sei que isso só é possível em poucos lugares e, de preferência, abaixo do Equador) me oferece um espetáculo digno de nota.

Eu, na pista da esquerda, observava o movimento dos ambulantes que oferecem, aos motoristas, pipoca pronta, biscoito Globo e refri ou água daquelas caixinhas de isopor. De repente, um deles, homem de uns trinta e poucos, com sacos de biscoito nos dois ombros, começa a gesticular enfaticamente na minha direção, chamando e indicando - de-ses-pe-ra-da-men-te - um outro ponto, à sua esquerda, e à minha direita, já que ele estava de frente para mim.

Eu olho e só vejo um ônibus parado na pista da direita. Logo a seguir, percebo, correndo pela calçada da esquerda, uma mulher bem jovem, com a caixinha de isopor sacolejando no quadril direito. Ela passa pelo meu carro, atravessa a rua e ultrapassa o ônibus. O motorista do dito, aflito, põe o braço pra fora (além do bigode que se vê claramente no seu perfil) e aponta para trás, a moça, um pouco confusa, tenta seguir-lhe o movimento. Finalmente, há mais alguém com a mão de fora da janela, bem no meio do ônibus, apontando para dentro do veículo. Lá dentro, em pé, uma jovem de cachos louros estica-se, com uma nota de dois reais na mão, em direção à janela de onde saía a tal mão que apontava para dentro.

A ambulante olha para trás a ver se não corre o risco de ser atropelada pelos apressados moto-boys com suas irritantes buzininhas ansiosas, aproxima-se da janela e, moto-contínuo, tira do isopor uma garrafinha de água mineral, segura a tampa da caixa, estica a garrafa e, ainda segurando-a, pega a nota da mão da menina que continuava esticada dentro do ônibus, por cima das orelhas dos dois passageiros sentados na sua direção.

Aqui, vem o melhor. Eu observava tudo e pensava: "é, aumentaram os refris dos ambulantes, antes era tudo um real". Nesse momento, a vendedora não se move do meio da rua, apenas dá uma espiada na direção de onde vêm as afamadas motos pelo meio das duas filas de veículos, e enfia a mão no bolso.

Tudo se esclareceu e a minha mente de analista sociológica de meia-tijela quase vai ao delírio quando eu compreendo que, não apenas o ônibus continuava parado, apesar de não haver mais nenhum carro à sua frente, parado que tinha ficado, aguardando a chegada da ambulante da caixinha de isopor, como ele continuava exatamente no mesmo ponto da rua, esperando que ela procurasse a moeda para dar troco a sua feliz e loira compradora.

Enquanto isso, nenhum movimento estranho dentro do ônibus, nenhum sinal visível de impaciência, seja da parte do motorista (ele próprio tinha sido a prestável criatura que indicara quem afinal queria comprar o precioso líquido), seja da parte dos outros passageiros, nem mesmo aqueles, por cima dos quais, a passageira tinha se esgueirado para entregar o dinheiro e recolher a garrafa.

Afinal, a vendedora conseguiu encontrar a moeda, fez sinal ao motorista, que a observava pelo espelho lateral externo, de "só mais um instantinho" e pediu ao passageiro da janela que fizesse a gentileza de entregar o troco à sua freguesa. Claro, esta última e polida conversa eu não posso assegurar que se tenha passado, mas que eu fiquei encantada com toda a situação, lá isso fiquei. E a ela assisti de camarote, já que a minha fila, ao contrário da fila onde se encontrava o ônibus, continuava totalmente congestionada e com os carros parados nos mesmos lugares há pelo menos uns 10 minutos. Isso me lembra uma outra história, verídica, vivenciada pela Menina sem nome, mas fica pra outra hora, ou ela mesma se encarrega de contar.

quarta-feira, 20 de agosto de 2008

Descoberta


Finalmente descobri.....
















...COMO ME PESAR.

'Eu não consigo acreditar que estava fazendo errado todos esses anos. Tenho que avisar todo mundo!!!'

Se calhar é isso que andamos todos a fazer. Passamos os últimos anos fazendo errado algo: trabalhando na profissão errada, amando a pessoa errada, ouvindo as pessoas erradas, dormindo do lado errado da cama... sabe-se lá. Vai o aviso, quem sabe ajuda a sair da bronca.

segunda-feira, 11 de agosto de 2008

Pour les déroutés

partilhar reflexões e mesmo emoções é uma possibilidade rara em tempos em que o individualismo grassa perigosamente, sugerindo uma paz enganosa.

Partilhar reflexões, partilhar emoções, será que ainda somos capazes dessa proeza ou a anestesia é um byproduct inevitável do individualismo epidêmico, ainda que esse individualismo refira-se a eu e a minha mulher e os meus filhos, ou eu e a minha família, ou eu e o meu time de futebol, ou eu e qualquer coisa que eu incorporo na minha visão especular que, apesar de ter outro nome, é apenas extensão do meu narcísico querer.

Disse-me o rapaz, senhor da História, que não. Ou que sim. Que é possível, que está sempre a fazer isso. Acredito em você, rapaz, tenho de me agarrar nessa sua linda e aprazível visão das relações para poder acordar de manhã e sair da cama. Anda difícil. Até mais do que quando lá fora não havia temperatura acima dos 9 Celsius.

Aqui, neste aprazível pedaço de paraíso, homens e mulheres andam de tal forma intocáveis, ou refratários, ou galvanizados, ou imunizados às emoções que eu tenho uma dificuldade imensa de olhá-los e a elas nos olhos. Até porque ninguém mais se olha nos olhos, ou então tem sempre algo que não é oferecível pois é consequência do tal individualismo e exige troco, estabelece, de antemão, moeda de troca e avaliação, quase sempre determinada por quem a exige e não negociada por ambas as partes interessadas na troca.

E a outra parte da tua frase, sugerindo uma paz enganosa. Acho que querias dizer uma apatia, pois a paz é bem vinda e viceja idéias e reflexão. O problema é que, para não nos chatearmos, preferimos chamar paz à apatia. Sim, porque no fim das contas, ser apático é o não-ser, no não-lugar e todos têm o seu lugar no mundo de hoje arrumadinho, divididinho, categorizadinho. Ninguém vai admitir que não sabe bem o seu lugar, que está perdido. Pois eu prefiro estar perdido. Faço uma plataforma pelos déroutés de todas as nações e tendências. Tenho a intuição de que não sobra quase ninguém se a maioria for sincera. Mas quem é que falou que ser sincero está na moda.

Voltemos ao nosso mundo individualzinho, arrumadinho, delimitadinho e cheiinho dessa paz enganosinha. Fica tão bonitinho na fotinha.

sexta-feira, 8 de agosto de 2008

As agendas

Pode alguém dizer-me pra que servem as agendas antigas. Aquelas que nunca jogamos fora, embora quando são abertas, por acaso, na necessidade de informação esquecida dos dias recentes, haja um amontoado de
Yuri 17-19h30;
Ligar Angela edredon
Notas fim de semana
marcar dedetização
Almoço Gigi aniversário lá em casa
Aniversário Ana Claudia Carioca da Gema
Entregar formulário do seguro
Aniv Jorge
Cortar cabelo
Niver gelo cerveja refri água copos bolo

Foi de trás pra frente (ou da frente pra trás que em questões de cronologia, a frente é o depois e o antes é o atrás, raisparta Chronos, mil vezes). Termina no dia do meu aniversário de quarenta anos e esse sim foi uma data importante. E sabem o que havia na agenda? Nem uma só palavra sobre o que senti.

Nem uma palavra sobre o prazer dos amigos em casa; sobre o espumante Freixenet que a minha amiga norueguesa, casada com o Harry escocês, trouxe para brindarmos; sobre o prazer das flores e da música e dos amigos todos convidados em cima da hora, nenhum faltou ao encontro.

Ou melhor, um faltou. Apenas um. O que me cortou o coração, pois pensei-me jogada de lado. Disse-lhe, depois, na época. Ele deu uma desculpa que não convencia nem as formigas que lhe rondavam os pés, junto à árvore onde paramos no Campus. Ele decididamente não estava convencido. E veio dar uma explicação semana passada, 5 anos depois. Explicação que me deixou parva, pois não explicou nada, só confirmou que eu não sou tão tonta quanto pareço que todo o flirt tinha uma razão e uma origem e que eu não flertava sozinha. Mas fiquei sozinha.

E afinal, pra que servem as agendas? Pra que guardamos agendas que não nos dizem nada que interesse? Pra nos lembrarmos daquilo que permanece tatuado na pele da alma e não necessita de agenda para existir ou ser lembrado, pior ser revivido em dor e na escuridão.

Pra que guardamos as agendas?

Deve ser pra ter certeza de que não sonhamos ou inventamos os acontecimentos. Por exemplo, se aquele telefone e a lista de compras lá estão, o resto todo não pode ser invenção do nosso desejo, embora os psis (de todas as vertentes) digam que assim é e que 90% das nossas memórias nada mais são do que criação espontânea do nosso mais íntimo e inconfessável desejo.

Ainda não sei pra que servem as agendas. Ou pra que guardamos agendas anos a fio. Mas morro de medo de jogá-las fora e não ter mais rastro de quando fui feliz, ou do quanto poderia ter sido.

domingo, 27 de julho de 2008

Pelo bom uso da língua

Finalmente uma imagem que ilustra totalmente os anseios da humanidade falante de português ou de qualquer língua, com ou sem suporte escrito. Eu apóio totalmente a plataforma pela língua. Usem. Ela não vai se perder, ao contrário, só perde quem não usa, ou usa pouco.



Foto tirada daqui.

terça-feira, 22 de julho de 2008

Mais cedo ou mais tarde, nos faltam...

...asas

Gnr

Asas servem para voar,
Para sonhar, ou para planar
Visitar, espreitar, espiar,
Mil casas do ar.

As asas não se vão cortar;
Asas são para combater,
Num lugar infinito no vacuo,
Para respirar o ar.

As asas são
Para proteger, te pintar
Não te esquecer,
Visitar-te, olhar-te, espreitar-te
Bem alto do ar.

E só quando quiseres pousar
Da paixão que te roer,
É um amor que vês nascer
Sem prazo, idade de acabar.
Não há leis para te prender
Aconteça o que acontecer.

Mas só quando quiseres pousar
Da paixão que te roer,
É um amor que vês nascer
Sem prazo, idade de acabar.

Não há leis para te prender
Aconteça o que acontecer.
Não vejo leis para te prender
Acontença o que acontecer.
Não há leis para te prender
Aconteça o que acontecer...

sexta-feira, 18 de julho de 2008

Quem fala português e diz frátria

Língua
Caetano Veloso

Gosto de sentir a minha língua roçar

A língua de Luís de Camões

Gosto de ser e de estar

E quero me dedicar

A criar confusões de prosódias

E uma profusão de paródias

Que encurtem dores

E furtem cores como camaleões

Gosto do Pessoa na pessoa

Da rosa no Rosa

(...)

"Minha pátria é minha língua"

Fala mangueira!

Fala!

Flor do Lácio Sambódromo

Lusamérica latim em pó

O que quer

O que pode

Esta língua?

Vamos atentar para a sintaxe dos paulistas

E o falso inglês relax dos surfistas

(...)

E que o Chico Buarque de Holanda nos resgate

E - xeque-mate - explique-nos Luanda

(...)

Adoro nomes

Nomes em Ã

De coisas como Rã e Imã

Nomes de nomes

(...)

Flor do Lácio Sambódromo

Lusamérica latim em pó

O que quer

O que pode

Esta língua?

Se você tem uma idéia incrível

É melhor fazer um canção


Está provado que só é possível

Filosofar em alemão

Blitz quer dizer corísco

Hollyood quer dizer Azevedo

E o Recôncavo, e o Recôncavo, e o
Recôncavo
Meu medo!

A língua é minha pátria

E eu não tenho pátria: tenho mátria

E quero frátria

Poesia concreta e prosa caótica

Ótica futura

Samba -rap, chic-left com banana

Será que ela está no Pão de Açúcar?

Tá craude brô você e tu lhe amo

Qué queu te faço, nego?

Bote ligeiro

Nós canto-falamos como que inveja negros

Que sofrem horrores no gueto do Harlem

Lívros, discos, vídeos à mancheia

E deixe que digam, que pensem e que falem

terça-feira, 15 de julho de 2008

Quem fala português e desfala II


Não chóro por nada que a vida traga ou leve. Há porém paginas de prosa me teem feito chorar. Lembro-me, como do que estou vendo, da noute em que, ainda creança, li pela primeira vez numa selecta, o passo celebre de Vieira sobre o Rei Salomão, "Fabricou Salomão um palacio..." E fui lendo, até ao fim, tremulo, confuso; depois rompi em lagrimas felizes, como nenhuma felicidade real me fará chorar, como nenhuma tristeza da vida me fará imitar. Aquelle movimento hieratico da nossa clara lingua majestosa, aquelle exprimir das idéas nas palavras inevitaveis, correr de agua porque ha declive, aquelle assombro vocalico em que os sons são cores ideaes - tudo isso me toldou de instincto como uma grande emoção politica. E, disse, chorei; hoje, relembrando, ainda chóro. Não é - não - a saudade da infancia, de que não tenho saudades: é a saudade da emoção d'aquelle momento, a magua de não poder já ler pela primeira vez aquella grande certeza symphonica.

Não tenho sentimento nenhum politico ou social. Tenho, porém, num sentido, um alto sentimento patriotico. Minha patria é a lingua portuguesa. Nada me pesaria que invadissem ou tomassem Portugal, desde que não me incommodassem pessoalmente, Mas odeio, com odio verdadeiro, com o unico odio que sinto, não quem escreve mal portuguez, não quem não sabe syntaxe, não quem escreve em orthographia simplificada, mas a pagina mal escripta, como pessoa própria, a syntaxe errada, como gente em que se bata, a orthographia sem ípsilon, como escarro directo que me enoja independentemente de quem o cuspisse.

Sim, porque a orthographia também é gente. A palavra é completa vista e ouvida. E a gala da transliteração greco-romana veste-m'a do seu vero manto régio, pelo qual é senhora e rainha.

(por Fernando Pessoa)

Quem fala português e desfala I

Invernáculo (3)
Esta língua não é minha,
qualquer um percebe.
Quando o sentido caminha,
a palavra permanece.
Quem sabe mal digo mentiras,
vai ver que só minto verdades.
Assim me falo, eu, mínima,
quem sabe, eu sinto, mal sabe.
Esta não é minha língua.
A língua que eu falo trava
uma canção longínqua,
a voz , além, nem palavra.
O dialeto que se usa
à margem esquerda da frase,
eis a fala que me lusa,
eu, meio, eu dentro, eu, quase.

(Paulo Leminski)

quinta-feira, 10 de julho de 2008

Resposta

Joca,

Tive que fazer um post, apesar de estar atrasadíssima para o trabalho, pois o blog não quer publicar meu comentário ao teu comentário e eu, quando começo numa discussão que considero importante, sou que nem anta quando foge do predador, podem os galhos magoar meu lombinho, que eu continuo sempre em frente.

Então, vamos nós.

Perdoem, mas estou literalmente sem tempo para responder adequadamente aos comentários, mas ainda vou faze-lo. Agora, só um comentário sobre este teu último, Joca.

A citaçào do Oswald, cujo texto eu conheço bem, está ligada justamente à aceitação do registro falado, o que na época em que ele escreveu não acontecia.

Havia muito mais pressão das classes dominantes para que se falasse o correto, o conforme a gramática, e no caso, a gramática ainda era muito influenciada pela norma portuguesa. Depois veio a NGB e tantas outras coisas.

Não se pode comparar este acordo ortográfico do raiar do século XXI com o que escreveram poetas no início do século XX. O olhar das pessoas tem que se dirigir a um fato muito concreto, contra toda literatura e bandeiras idealistas, se não oferecermos aos sem recursos a possibilidade de letramento sem custo ou a baixo custo, continuaremos tendo elites que escrevem lindamente e vão continuar protestando contra regimes que oprimem quem não sabe ler e e o/a impedem de se tornar um cidadão independente e respeitado em uma sociedade baseda na língua escrita, sob qualquer forma.

E eu digo ler e escrever de uma forma bastante sofisticada, como a que nos permite aos dois estarmos aqui discutindo por escrito, usando como canal páginas de decodificação bastante sofisticada, que envolvem, além de letramento em língua portuguesa, também letramento digital.

Letramento digital supõe identificação de instruções e informações "escritas" dispostas de forma bem peculiar nas telas/ecrans de um computador que também tem um custo muito elevado para essas populações de que falei. Populações essas que não têm, na sua maioria, letramento digital suficiente (ou de todo) para fazer o que estamos fazendo agora.

Assim, melhor começar do início. Escola - o que pressupõe livros - e educação para quem é excluído justamente porque só domina o registro falado.

Beijos a ti a todos

NB: Para compreender o que motiva este post, leiam os comentários do post anterior.

domingo, 6 de julho de 2008

Appellation d'Origine Contrôlée

Joca,

respondo à tua pergunta, sem saber direito se será uma resposta. O título do post inspira-se justamente nessa tua frase que pincei e colei abaixo:

além do mais, para mim, "fato" e "facto" dá no mesmo... e acho delicioso pegar um livro de lingua portuguesa e poder identificar a origem de quem fala/escreve...

Na verdade, tenho que agradecer a alguns amigos e conhecidos que, como tu, têm me remetido com maior ou menor freqüência à questão da reforma e me fazem sair do conforto da academia e de não estar no campo da língua materna, o que me permite - ou permitiu, até aqui - manter-me à margem, sem assumir uma posição. Um dia, enfim, temos que deixar o conforto e cair na água gelada, ou sujar as mãozinhas, ou pô-las na massa, ou carregar pedra. Vamos a isso, sem muita resistência.

Colocas-me a questão fundamental, a da identidade de um grupo de falantes de uma variedade de uma qualquer língua. Por esse lado, eu concordo contigo, as marcas identitárias que fazem a distinção entre o Português da Península Ibérica e este outro - o mesmo, mas diferente - deste enorme trecho da América do Sul, devem ser preservadas e iluminadas, de forma a proporcionar às gerações mais jovens e às que ainda nos lerão a possibilidade de fazer descobertas sobre si mesmas e sobre os outros.

Descobertas que começam na língua e se estendem para além das folhas de papel e das páginas virtuais da rede e vão dar lá bem longe, nas serras do Torga, nos sertões do Guimarães e nas praias do Jorge. A descoberta de um povo e de muitos povos que se expressam no mesmo código, mas que trançam a palha de forma diferente, temperam peixe e feijão com outros segredos, ainda que, no momento do amor, usem as mesmas palavrinhas, mas em ordem diferente - te amo / amo-te. Tenho esse mesmo sentimento que descreves, como quando se bebe o vinho e busca-se, na garrafa, a região de origem e as fantasias pululam na mente até repercutirem no sabor do líquido que se espalha pela língua e escorre pela garganta.

Por outro lado, como técnica que sou, tenho que mencionar que a língua tem múltiplas funções e algumas delas ligam-se a necessidades muito básicas que vão todas dar ao sempre e já descrito vil metal. As necessidade de que falo ligam-se a questões políticas de urgência, não fossem todas as questões sempre políticas.

A língua portuguesa é falada em um sem-número de lugares pelo mundo afora, em todos os continentes, por escolha ou imposição. Ocorre que, em muitos desses locais, essa língua expressa anseios e aflições de povos bastante desprovidos economicamente. Como conseqüência disso é preciso encontrar saídas, ou aberturas maiores, sem dar munição às máfias editoriais que são, em última instância, responsáveis pelo controle do acesso à educação. Sim, trata-se de povos falantes de uma língua que tem, desde o século XII, suporte escrito, oferecendo, portanto, aos seus falantes a possibilidade de registro permanente e escolaridade eventual - quando a economia permite.

Isso tudo para dizer que fico a favor do acordo, por duas razões: uma é a possibilidade de distribuição de publicações de todo tipo - dos jornais aos livros escolares - feita pelos dois grandes pólos de publicação em português, Portugal e Brasil. Essa possibilidade promove concorrência e não só leva a uma baixa dos preços, mas também faz com que se possa usar indiscriminadamente livros de qualquer uma das origens, sem o impasse visto até aqui com relação aos livros publicados em cada lado do Atlântico, sobre os direitos de edição da obra em cada país e sobre a impossibilidade de se comercializarem edições feitas no outro país. Suponho eu, ao menos, que assim seja, pelo que li das implicações legais do acordo e, também, pela querela entre o Agualusa e o Graça Moura... mas isto já são outros quinhentos... anos.

A outra razão, para mim mais tranquilizadora, é, como técnica, saber que a ortografia não altera em nada a expressão identitária de um povo. Diminui a margem de reconhecimento imediato ou para os menos informados, por não trazer em suas linhas o equivalente lingüístico às letrinhas AOC, mas todos continuarão a falar do mesmo jeitinho. Uns, como nós, caiçaras aqui do Rio, continuarão a eliminar o "R" final depois de "a" e "e", e vamos todos
falá e comê no calçadão em diaj de sów. Outros, vão vere o fqp a jogare pelo Puorto no estádio do Dragão. Os alfacinhas vão para a pischina falar mal dos faschistas e aí em Sampa, vocês vão continuar cOmendo dois pastew e um chopis...

PS: Para outras discussões vejam aqui textos de muita gente, inclusive meus, sobre esses arquiusados argumentos para validar uma ou outra variedade como a melhor. Continuo achando que o que interessa não é ter razão, é ser feliz e construir um mundo possível em qualquer das variedades. E, sobretudo, usar a língua como ponte e não como barreira ou posto de controle fornteiriço. Considero que faço isso e fazem também os autores dos blogs que freqüento.