sábado, 29 de novembro de 2008

Seja sexo ou cinema


Fui ver o novo Woody Allen. Gostei. Diria mesmo que gostei muito. Ri do humor que execra o grotesco que há na sociedade americana, mas não apenas nela, em quase todas, mas que nela é como que validado e abençoado pelo status quo, enquanto em outras, europeias, por exemplo, parece algo apenas tolerável, como a futilidade e o materialismo levados à sua mais refinada estupidez. Gente que fala de decoração como se da essência da vida se tratasse. Boring people. Porém apenas no contraste com outras coisas, digamos, mais radiantes de vida. Botem as mesmas abordagens e os mesmo diálogos em uma daquelas revistas lindas em papel cochê, com uma quantas fotos de lugares clean and basic, com cores cruas e boa luz e fica tudo tolerável. Parece que o mundo só existe no contraste. Como afirmam aliás, alguns lingüistas, mas, OK, eles falam de outros fatos, outras problemáticas. Mas os psi tb dizem isso: eu existo enquanto mulher porque me oponho a outros seres que são homens. Reconheço-me na minha cultura pois encontro indivíduos de outras culturas, tão seguros da sua validade absoluta quanto eu da minha a ponto de esquecermo-nos, uns e outros, da relatividade gritante que há em cada escolha, em cada olhar, em cada comentário.

Mas gostei do filme. Aí, chega um indíviduo blasé, ou que se quer acima do resto da pobre humanidade, na qual eu me incluo (essa humanidade que expressa abertamente o prazer que obteve do ato), e o tal indivíduo diz aquela baboseira que a gente já ouviu algumas vezes, que o bom mesmo do WA é o seu lado depressivo, que "esse sim é o WA que eu gosto" e que o resto é só mais um filme bem feito e passemos aos mesmos comentários acerca de Almodóvar, e por aí vai. Saímos da sala de cinema e passamos à realidade nua e crua e impregnada daqueles terríveis cheiros de um shopping center, em que se misturam as comidas mais bestas com os perfumes dos usários, num pot-pourri enlouquecido, o qual só se consegue suportar se começamos a pensar na filosofia mais abstrata da vida. Aqui entra a minha principal observação sobre o evento desta noite.

Diria eu ao indivíduo blasé (caso tivesse o que se chama no cotovelo da Europa, pachorra) "olha só, bem feito, pra mim, é o que me dá prazer, seja sexo ou cinema" e ponto. Tá certo, tem que ter fotografia, música e algo que escape a todas a enumerações objetivas mas que é resultado da soma de todos os itens que compõem a obra, mas que não é passível de identificação individualizada. De toda forma, não tou muito preocupada se o realizador (essa palavra até cai bem nas duas situações) é calvo ou branquela, se escolhe bem a cor da camisas ou se come rúcula com os dedos. Só não pode ter um cheiro que me afaste ou uma voz que não me envolva. E tem que fazer filmes que me envolvam em alguma parte indefinida do meu ser ou da minha existência. Claro, pois eu estava falando de cinema, sobretudo. Aliás, eu até acho que gosto mais de cinema do que de sexo (ou é a noite de chuva depois de muito trabalho). É que cinema é um produto que já está acabado e pronto quando você vai usufruir dele. Sexo você tem que construir e depende do humor (seu e do outro) no momento. E depois, cinema, assim como sexo, você tem 50% de chances de gostar ou não gostar, mas se gostar, do cinema, você vai poder repetir a dose e o prazer, sem se preocupar se estará num bom momento, ou se você envelheceu, ou se mudaram as suas preferências. Em geral, se você gosta de um filme, sobretudo se você gosta de um diretor, você gosta dele, não vai mudar de opinião. Pode moldar o olhar, aliás, aqui também, acho que o objeto modela o olhar, caso você goste da primeira vez. Já o sexo... eu nem preciso desfiar o que os mais crescidinhos já estão fartos de saber... próximo filme, por favor. E sem companhias experts em cinema, please.

7 comentários:

Lauro António disse...

Querida Lori: temos de falar de cinema ... e de sexo. Depois, até podemos falar de professores, em Portugal. (mas olha lá: que é isso de ser bom repetir um filme e... repetir...? minha nossa, melhor mesmo parar aqui. com beijo. de cinema).

Pitanga Doce disse...

Ora ainda bem que não queres discutir o assunto com experts em cinema, que estou "bué" de cansada e também falta-me pachorra pra isso. (Sim, eu andei lá pelo Cotovelo da Europa).
Se estivesse bem disposta até poderia entrar num debate sobre as obras do talentoso cineasta José Mojica Marins.

Mas sabes Lóri, eu tenho aqui em minha casa um rapaz obstinado, que depois de prestar concurso para a ESAEX na área de Biologia (é claro) e com disponibilidade de apenas 2 vagas a serem disputadas por todo esse território em que cabem trocentos "Cotovelos", não é que o gajo passa e agora estas duas semanas são para fazer exames clínicos com resultados para ontem??????????????????

Já viste a ironia da situação???
Uma vez mãe de Tenente, sempre mãe de Tenente!

Ó Lóri, meus sais, se fazfavori!

Lóri disse...

Ö Pit!

Meus muitos parabéns, para ti e para o tenente ou seja lá como for que devamos nos referir agora ao menino do quispo vermelho.

Vês? Nem todo dia é dia de finados, há dias de natal e páscoa, intercalados!

Beijocas de alegria,

Luis Eme disse...

apetece-me dizer-te: «há coisas que não são comparáveis». acrescentar: «cinema com sexo é uma coisa, cinema e sexo é outra».

mas é mentira, hoje tudo é comparável, mesmo que pareça fora do contexto...

bjs Lóri

Joca disse...

Abaixo os experts, seja em sexo ou cinema - pelo menos em cinema não são para ser levados a sério, exceto no conteúdo informativo, nunca na Opinião! Essa, é comigo mesmo...
Bem, prefiro o Woody Allen do humor. Em sua longa filmografia, foram poucos fracassos, como O Escorpião de Jade, uma grande idéia desperdiçada, acho...O WA bergmaniano não me seduz, prefiro o original.... Bjs

Olga disse...

Ida, sensacional a sua comparação entre o sexo e o cinema. O sexo anda superestimado...

Sou muito preguiçosa, portanto, muitas vezes o cinema ganha do sexo. Sexo é muito bom, dependendo com quem, pode até ser divino, mas é muito trabalhoso mesmo. (rs)

Telma Pereira disse...

Vi o filme ontem, também em um cinema de shopping, o que acentuou a claustrofobia que senti durante o filme. Lembrei do poema do Prévert Pour toi mon amour.
Bjs