domingo, 27 de julho de 2008

Pelo bom uso da língua

Finalmente uma imagem que ilustra totalmente os anseios da humanidade falante de português ou de qualquer língua, com ou sem suporte escrito. Eu apóio totalmente a plataforma pela língua. Usem. Ela não vai se perder, ao contrário, só perde quem não usa, ou usa pouco.



Foto tirada daqui.

terça-feira, 22 de julho de 2008

Mais cedo ou mais tarde, nos faltam...

...asas

Gnr

Asas servem para voar,
Para sonhar, ou para planar
Visitar, espreitar, espiar,
Mil casas do ar.

As asas não se vão cortar;
Asas são para combater,
Num lugar infinito no vacuo,
Para respirar o ar.

As asas são
Para proteger, te pintar
Não te esquecer,
Visitar-te, olhar-te, espreitar-te
Bem alto do ar.

E só quando quiseres pousar
Da paixão que te roer,
É um amor que vês nascer
Sem prazo, idade de acabar.
Não há leis para te prender
Aconteça o que acontecer.

Mas só quando quiseres pousar
Da paixão que te roer,
É um amor que vês nascer
Sem prazo, idade de acabar.

Não há leis para te prender
Aconteça o que acontecer.
Não vejo leis para te prender
Acontença o que acontecer.
Não há leis para te prender
Aconteça o que acontecer...

sexta-feira, 18 de julho de 2008

Quem fala português e diz frátria

Língua
Caetano Veloso

Gosto de sentir a minha língua roçar

A língua de Luís de Camões

Gosto de ser e de estar

E quero me dedicar

A criar confusões de prosódias

E uma profusão de paródias

Que encurtem dores

E furtem cores como camaleões

Gosto do Pessoa na pessoa

Da rosa no Rosa

(...)

"Minha pátria é minha língua"

Fala mangueira!

Fala!

Flor do Lácio Sambódromo

Lusamérica latim em pó

O que quer

O que pode

Esta língua?

Vamos atentar para a sintaxe dos paulistas

E o falso inglês relax dos surfistas

(...)

E que o Chico Buarque de Holanda nos resgate

E - xeque-mate - explique-nos Luanda

(...)

Adoro nomes

Nomes em Ã

De coisas como Rã e Imã

Nomes de nomes

(...)

Flor do Lácio Sambódromo

Lusamérica latim em pó

O que quer

O que pode

Esta língua?

Se você tem uma idéia incrível

É melhor fazer um canção


Está provado que só é possível

Filosofar em alemão

Blitz quer dizer corísco

Hollyood quer dizer Azevedo

E o Recôncavo, e o Recôncavo, e o
Recôncavo
Meu medo!

A língua é minha pátria

E eu não tenho pátria: tenho mátria

E quero frátria

Poesia concreta e prosa caótica

Ótica futura

Samba -rap, chic-left com banana

Será que ela está no Pão de Açúcar?

Tá craude brô você e tu lhe amo

Qué queu te faço, nego?

Bote ligeiro

Nós canto-falamos como que inveja negros

Que sofrem horrores no gueto do Harlem

Lívros, discos, vídeos à mancheia

E deixe que digam, que pensem e que falem

terça-feira, 15 de julho de 2008

Quem fala português e desfala II


Não chóro por nada que a vida traga ou leve. Há porém paginas de prosa me teem feito chorar. Lembro-me, como do que estou vendo, da noute em que, ainda creança, li pela primeira vez numa selecta, o passo celebre de Vieira sobre o Rei Salomão, "Fabricou Salomão um palacio..." E fui lendo, até ao fim, tremulo, confuso; depois rompi em lagrimas felizes, como nenhuma felicidade real me fará chorar, como nenhuma tristeza da vida me fará imitar. Aquelle movimento hieratico da nossa clara lingua majestosa, aquelle exprimir das idéas nas palavras inevitaveis, correr de agua porque ha declive, aquelle assombro vocalico em que os sons são cores ideaes - tudo isso me toldou de instincto como uma grande emoção politica. E, disse, chorei; hoje, relembrando, ainda chóro. Não é - não - a saudade da infancia, de que não tenho saudades: é a saudade da emoção d'aquelle momento, a magua de não poder já ler pela primeira vez aquella grande certeza symphonica.

Não tenho sentimento nenhum politico ou social. Tenho, porém, num sentido, um alto sentimento patriotico. Minha patria é a lingua portuguesa. Nada me pesaria que invadissem ou tomassem Portugal, desde que não me incommodassem pessoalmente, Mas odeio, com odio verdadeiro, com o unico odio que sinto, não quem escreve mal portuguez, não quem não sabe syntaxe, não quem escreve em orthographia simplificada, mas a pagina mal escripta, como pessoa própria, a syntaxe errada, como gente em que se bata, a orthographia sem ípsilon, como escarro directo que me enoja independentemente de quem o cuspisse.

Sim, porque a orthographia também é gente. A palavra é completa vista e ouvida. E a gala da transliteração greco-romana veste-m'a do seu vero manto régio, pelo qual é senhora e rainha.

(por Fernando Pessoa)

Quem fala português e desfala I

Invernáculo (3)
Esta língua não é minha,
qualquer um percebe.
Quando o sentido caminha,
a palavra permanece.
Quem sabe mal digo mentiras,
vai ver que só minto verdades.
Assim me falo, eu, mínima,
quem sabe, eu sinto, mal sabe.
Esta não é minha língua.
A língua que eu falo trava
uma canção longínqua,
a voz , além, nem palavra.
O dialeto que se usa
à margem esquerda da frase,
eis a fala que me lusa,
eu, meio, eu dentro, eu, quase.

(Paulo Leminski)

quinta-feira, 10 de julho de 2008

Resposta

Joca,

Tive que fazer um post, apesar de estar atrasadíssima para o trabalho, pois o blog não quer publicar meu comentário ao teu comentário e eu, quando começo numa discussão que considero importante, sou que nem anta quando foge do predador, podem os galhos magoar meu lombinho, que eu continuo sempre em frente.

Então, vamos nós.

Perdoem, mas estou literalmente sem tempo para responder adequadamente aos comentários, mas ainda vou faze-lo. Agora, só um comentário sobre este teu último, Joca.

A citaçào do Oswald, cujo texto eu conheço bem, está ligada justamente à aceitação do registro falado, o que na época em que ele escreveu não acontecia.

Havia muito mais pressão das classes dominantes para que se falasse o correto, o conforme a gramática, e no caso, a gramática ainda era muito influenciada pela norma portuguesa. Depois veio a NGB e tantas outras coisas.

Não se pode comparar este acordo ortográfico do raiar do século XXI com o que escreveram poetas no início do século XX. O olhar das pessoas tem que se dirigir a um fato muito concreto, contra toda literatura e bandeiras idealistas, se não oferecermos aos sem recursos a possibilidade de letramento sem custo ou a baixo custo, continuaremos tendo elites que escrevem lindamente e vão continuar protestando contra regimes que oprimem quem não sabe ler e e o/a impedem de se tornar um cidadão independente e respeitado em uma sociedade baseda na língua escrita, sob qualquer forma.

E eu digo ler e escrever de uma forma bastante sofisticada, como a que nos permite aos dois estarmos aqui discutindo por escrito, usando como canal páginas de decodificação bastante sofisticada, que envolvem, além de letramento em língua portuguesa, também letramento digital.

Letramento digital supõe identificação de instruções e informações "escritas" dispostas de forma bem peculiar nas telas/ecrans de um computador que também tem um custo muito elevado para essas populações de que falei. Populações essas que não têm, na sua maioria, letramento digital suficiente (ou de todo) para fazer o que estamos fazendo agora.

Assim, melhor começar do início. Escola - o que pressupõe livros - e educação para quem é excluído justamente porque só domina o registro falado.

Beijos a ti a todos

NB: Para compreender o que motiva este post, leiam os comentários do post anterior.

domingo, 6 de julho de 2008

Appellation d'Origine Contrôlée

Joca,

respondo à tua pergunta, sem saber direito se será uma resposta. O título do post inspira-se justamente nessa tua frase que pincei e colei abaixo:

além do mais, para mim, "fato" e "facto" dá no mesmo... e acho delicioso pegar um livro de lingua portuguesa e poder identificar a origem de quem fala/escreve...

Na verdade, tenho que agradecer a alguns amigos e conhecidos que, como tu, têm me remetido com maior ou menor freqüência à questão da reforma e me fazem sair do conforto da academia e de não estar no campo da língua materna, o que me permite - ou permitiu, até aqui - manter-me à margem, sem assumir uma posição. Um dia, enfim, temos que deixar o conforto e cair na água gelada, ou sujar as mãozinhas, ou pô-las na massa, ou carregar pedra. Vamos a isso, sem muita resistência.

Colocas-me a questão fundamental, a da identidade de um grupo de falantes de uma variedade de uma qualquer língua. Por esse lado, eu concordo contigo, as marcas identitárias que fazem a distinção entre o Português da Península Ibérica e este outro - o mesmo, mas diferente - deste enorme trecho da América do Sul, devem ser preservadas e iluminadas, de forma a proporcionar às gerações mais jovens e às que ainda nos lerão a possibilidade de fazer descobertas sobre si mesmas e sobre os outros.

Descobertas que começam na língua e se estendem para além das folhas de papel e das páginas virtuais da rede e vão dar lá bem longe, nas serras do Torga, nos sertões do Guimarães e nas praias do Jorge. A descoberta de um povo e de muitos povos que se expressam no mesmo código, mas que trançam a palha de forma diferente, temperam peixe e feijão com outros segredos, ainda que, no momento do amor, usem as mesmas palavrinhas, mas em ordem diferente - te amo / amo-te. Tenho esse mesmo sentimento que descreves, como quando se bebe o vinho e busca-se, na garrafa, a região de origem e as fantasias pululam na mente até repercutirem no sabor do líquido que se espalha pela língua e escorre pela garganta.

Por outro lado, como técnica que sou, tenho que mencionar que a língua tem múltiplas funções e algumas delas ligam-se a necessidades muito básicas que vão todas dar ao sempre e já descrito vil metal. As necessidade de que falo ligam-se a questões políticas de urgência, não fossem todas as questões sempre políticas.

A língua portuguesa é falada em um sem-número de lugares pelo mundo afora, em todos os continentes, por escolha ou imposição. Ocorre que, em muitos desses locais, essa língua expressa anseios e aflições de povos bastante desprovidos economicamente. Como conseqüência disso é preciso encontrar saídas, ou aberturas maiores, sem dar munição às máfias editoriais que são, em última instância, responsáveis pelo controle do acesso à educação. Sim, trata-se de povos falantes de uma língua que tem, desde o século XII, suporte escrito, oferecendo, portanto, aos seus falantes a possibilidade de registro permanente e escolaridade eventual - quando a economia permite.

Isso tudo para dizer que fico a favor do acordo, por duas razões: uma é a possibilidade de distribuição de publicações de todo tipo - dos jornais aos livros escolares - feita pelos dois grandes pólos de publicação em português, Portugal e Brasil. Essa possibilidade promove concorrência e não só leva a uma baixa dos preços, mas também faz com que se possa usar indiscriminadamente livros de qualquer uma das origens, sem o impasse visto até aqui com relação aos livros publicados em cada lado do Atlântico, sobre os direitos de edição da obra em cada país e sobre a impossibilidade de se comercializarem edições feitas no outro país. Suponho eu, ao menos, que assim seja, pelo que li das implicações legais do acordo e, também, pela querela entre o Agualusa e o Graça Moura... mas isto já são outros quinhentos... anos.

A outra razão, para mim mais tranquilizadora, é, como técnica, saber que a ortografia não altera em nada a expressão identitária de um povo. Diminui a margem de reconhecimento imediato ou para os menos informados, por não trazer em suas linhas o equivalente lingüístico às letrinhas AOC, mas todos continuarão a falar do mesmo jeitinho. Uns, como nós, caiçaras aqui do Rio, continuarão a eliminar o "R" final depois de "a" e "e", e vamos todos
falá e comê no calçadão em diaj de sów. Outros, vão vere o fqp a jogare pelo Puorto no estádio do Dragão. Os alfacinhas vão para a pischina falar mal dos faschistas e aí em Sampa, vocês vão continuar cOmendo dois pastew e um chopis...

PS: Para outras discussões vejam aqui textos de muita gente, inclusive meus, sobre esses arquiusados argumentos para validar uma ou outra variedade como a melhor. Continuo achando que o que interessa não é ter razão, é ser feliz e construir um mundo possível em qualquer das variedades. E, sobretudo, usar a língua como ponte e não como barreira ou posto de controle fornteiriço. Considero que faço isso e fazem também os autores dos blogs que freqüento.


sexta-feira, 4 de julho de 2008

Meu Caro Amigo - Chico Buarque / Francis Hime

Aos amigos queridos que estão longe. Ao meu querido bárbaro, Antonio, ao Bárbaro branquinho e sua portuguinha, à Cla, que não me ama mais e a todos que estão, de alguma forma, afastados e merecedores de notícias que não vem ou não podem ser melhores.

quarta-feira, 2 de julho de 2008

A palavra amealhada

Há exatos dois anos, comprei este livro ao acaso, porque o título me apetecia. Li duas ou três flhas e deixei-me levar pela imposição desenfreada do imediato e poderoso Chronos, esse deus que a maioria adora e incensa. Eu também, andei incensando-o em demasia e o acaso, novamente, a força intrínseca da linguagem que mora em mim, jogaram-me novamente na corrente desta leitura, de onde saí lavada e salva, ao menos por enquanto. O livro chama-se A palavra ameaçada, escrito por uma lingüista e poetisa argentina de nome Ivonne Bordelois. Eis o meu meio de expressar a bronca recorrente.


O espaço oficial da palavra está hoje confinado aos "meios", termo cuja metáfora convém questionar. São realmente meios de informação, comunicação ou entretenimento, como se pretendia nas épocas inaugurais? Não está suficientemente claro, dadas as corridas desenfreadas pelo maior Ibope, dada a substituição do âmbito legal e judicial, dado o caráter extorsivo com relação às figuras públicas, que os chamados meios são antes de tudo meios de poder? (...) Mas a palavra entregue ao poder não é linguagem mas pura consignação, mandato, exploração, alheia à preciosa liberdade, que é o destino profundo da verdadeira palavra humana. E nunca como agora cabe dizer que os fins não justificam os meios.

Existe então uma tensão nas relações entre cultura e linguagem. De certo modo, podemos dizer que a cultura inveja da linguagem o seu desenfreado poder de regeneração. A violência sobre a linguagem, sobre o Eros que manifesta a linguagem, só pode vir de uma poderosa pulsão de morte ambiental que tende a manipular, deteriorar e deturpar o sentido primeiro e original dessa comunicação única, celebrante e prazerosa que é a linguagem no mundo do Eros. A linguagem congrega e comunica, a violência obtura e destrói. Quando a violência se apropria da linguagem, temos a repetição compulsiva do insulto - nosso eterno babaca -, a blasfêmia da agressão sexual - filho da puta -, o incesto verbal - go fuck your mother (vá foder a sua mãe). Quando é a linguagem que se apropria da violência temos Ésquilo, Shakespeare, Quevedo, Isaías, Cristo: a maldição sacra, o exorcismo necessário, a expulsão dos demônios íntimos e sociais.

A palavra poética é violência contra a palavra estabelecida. (...) E a palavra ressuscita chamando e chamejando novamente, recordando a sua e a nossa origem.

Mas é necessário advertir também que a cultura massificante desconfia da linguagem porque, como já dissemos, a consciência crítica da língua é o começo de toda crítica. Segundo Saussure, o modesto e misterioso suíço que funda a lingüística contemporânea, a língua é o sistema social mais poderoso porque está gravado fundamentalmente no inconsciente. Por isso, para aparecer diante de nós mesmos, a primeira recuperação que se faz obrigatória é o reconhecimento de nossa linguagem. Esta é justamente uma das mais poderosas razões pelas quais as grandes culturas contemporâneas não favorecem o desenvolvimento da consciência lingüística ou a restringem somente ao malabarismo da propaganda comercial. Uma cultura massificante entorpece o acesso aos estratos mais profundos da linguagem e de sua consciência, transmite preconceitos sem denunciá-los, empobrece o vocabulário ou esquece suas refrescantes origens.

E justamente porque se opõe à linguagem, a cultura contemporânea destrói o silêncio, que é a condição primeira e fundamental da palavra genuína, a que vem do necessário e do íntimo e que não é simples mola de resposta mecânica. (...) A balbúrdia de nossas cidades, os decibéis de uma música descartável que continuamente atordôa e ensurdece, desafiando e impedindo toda forma de comunicação, são modos patentes de uma violência cada vez mais invasiva que só se sacia com a obstrução da consciência, em particular da consciência que se alimenta dos poderes do diálogo sossegadamente nascido do silêncio.