segunda-feira, 23 de junho de 2008

Cinelândia



Alguém já ouviu falar do Odéon? Não em Paris, mas ali, na ponta do conjunto arquitetônico de uma das avenidas mais emblemáticas de São Sebastião do Rio de Janeiro, no quarteirão que se chamava e ainda se chama Cinelândia. Como se fosse possível fazer durar a época áurea das primeiras casas de exibição da sétima arte em uma cidade que já foi revirada de ponta-a-cabeça, por políticos, pivetes, poetas, cantores, compositores, e até por eles, os arquitetos e os cineastas, porque não?... ah, sim, realizadores, é o nome certo do outro lado do mar.

Pois é, aí, os políticos, empurrados pelos pivetes e sem ouvir os poetas foram trazendo transformações. Fizeram os engenheiros (não sei se com ou sem autorização dos arquitetos) darem cabo do Palácio Monroe, colocarem no lugar um chafariz de ferro fundido, com a desculpa de que era preciso para o metropolitano passar, no início da década de oitenta.

Depois, com as obras do metro e com a degradação da vida das pessoas, e até talvez por causa do desemprego galopante causado pela "computadorização" dos bancos e outros serviços, os pivetes e contraventores, tomaram conta do espaço da "terra do cinema" em frente à Baía de Guanabara. Consequência (viram que aboli o trema?): os cinemas da cinelândia foram ficando desertos e seus donos sem tostão foram vendendo os espaços e surgiu a Igrejolândia, ainda hoje ativa, recentemente batizada pela amiga MEC, que também me cedeu as fotos (embora o executor das mesmas seja o Mr Movie).

Mas como eu ouvi em um filme, life will find a way, veio a Petrobrás e a Lei Rouanet de incentivo à cultura. O Odéon continuou cinema, templo da sétima arte, só que menorzinho, e deu lugar a um delicioso Café european style, cuja panorâmica se pode apreciar na foto. O quadro com os acepipes, é uma lousa negra, com escritos a giz, mas ninguém iria imaginar, na época do Palácio Monroe e do Getúlio Vargas que se serviria tijelinha de moqueca de namorado, assim, impunemente, acompanhada de um sanduba com nome de um incrível personagem da Lapa dos anos 40, Madame Satã e sua travestice descarada. Mas isso já é assunto para o próximo post.

Meu carinho à MEC e ao Mr Movie que me deram o prazer da companhia e o pretexto desta diversão por escrito.

PS: Há muito melhor do que este aperitivo lá no LauroAntonio apresenta. As fotos e o texto dele dão orgulho de ser carioca.

segunda-feira, 16 de junho de 2008

Somos nós e um pouco dos outros também


Ontem, comemoramos o aniversário de uma mulher que eu admiro muito. Ela nasceu cinco anos antes de mim, acompanha-me esse tempo todo, e tenho por ela um carinho que fica exposto a quem nos vê juntas. Os desconhecidos alternam-se entre "eu vi logo que eram irmãs" e "pensei que fossem amigas, mas amigonas daquelas". E nós somos ambas as coisas.

Por isso, e porque ela está radiante nos seus 50 anos, brindamos com espumante e adoçamos a tarde com bolo e sorrisos, para nunca esquecer que a vida tem sempre sempre momentos de doçura, alegria e amparo inesquecíveis e que nos outros momentos, os que são nem tanto, podemos sempre fazer subir bolhas de fantasia e deixar-nos embriagar de leve para fazer doer menos o inevitável.

Deixo aqui, então, um texto que recebi hoje e que fala de nós, mulheres, que nem sempre conseguimos nos despir como poderíamos, mas que certamente temos muito o que mostrar, apesar dos anos que carregamos na pele e no coração.

PS: A foto foi tirada, por mim, na semana passada.

Outro tipo de mulher nua

De Martha Medeiros


Nunca vi tanta mulher nua. Os sites da internet renovam semanalmente seu estoque de gatas vertiginosas. O que não falta é candidata para tirar a roupa. Serviu cafezinho numa cena de novela? Posa pelada. É prima de um jogador de basquete? Posa pelada. Caiu do terceiro andar? Posa pelada.

Depois da invenção do photoshop. Até a mais insignificante das criaturas vira uma deusa, basta dar uns retoquezinhos, aqui e ali. Dá uma grana boa. E o namorado apóia, o pai fica orgulhoso, a mãe acha um acontecimento, as amigas invejam, então pudor pra quê?

Não sei se os homens estão radiantes com essa multiplicação de peitos e bundas. Infelizes não devem estar, mas duvido que algo que se tornou tão banal ainda enfeitice os que têm mais de 14 anos.

Talvez a verdadeira excitação esteja, hoje, em ver uma mulher se despir de verdade - emocionalmente.

Nudez pode ter um significado diferente e muito mais intenso. É assistir a uma mulher desabotoar suas fantasias, suas dores, sua história. É erótico ver uma mulher que sorri, que chora, que vacila, que fica linda sendo sincera, que fica uma delícia sendo divertida, que deixa qualquer um maluco sendo inteligente. Uma mulher que diz o que pensa, o que sente e o que pretende, sem meias verdades, sem esconder seus pequenos defeitos - aliás, deveríamos nos orgulhar de nossas falhas, é o que nos torna humanas, e não bonecas de porcelana. Arrebatador é assistir ao desnudamento de uma mulher em quem sempre se poderá confiar, mesmo que vire ex, mesmo que saiba demais.

Pouco tempo atrás, posar nua ainda era uma excentricidade das artistas, lembro que esperava-se com ansiedade a revista que traria um ensaio de Dina Sfat, por exemplo - pra citar uma mulher que sempre teve mais o que mostrar além do próprio corpo. Mas agora não há mais charme nem suspense, estamos na era das mulheres coisificadas, que posam nuas porque consideram um degrau na carreira. Até é. Na maioria das vezes, rumo à decadência. Escadas servem para descer também.

Não é fácil tirar a roupa e ficar pendurada numa banca de jornal mas, difícil por difícil, também é complicado abrir mão de pudores verbais, expor nossos segredos e insanidades, revelar nosso interior. Mas é o que devemos continuar fazendo. Despir nossa alma e mostrar pra valer quem somos, o que trazemos por dentro. Não conheço strip-tease mais sedutor.

domingo, 8 de junho de 2008

De erosão, de destroços, des épaves, des débris, das sobras enfim

Andava, a esmo, entre dois blogs amigos quando me deparo com as seguintes frases do Lauro Antonio a falar sobre a imagem que fixa uma lembrança amada e que, como imagem construída em mídia material e, por isso mesmo, destrutível pelo passar do tempo e pela usura da visualização repetida, perde-se. Perde-se porque desaparece. Desaparece porque desvanece, evanescente que é. Evanescente, pois frágil material. Frágil material, como frágeis sentimentos, como frágeis as paixões, como frágeis as lembranças das paixões.

Dizia LA sobre as blueberry nights:
Da erosão da espera. Da erosão do amor. Da erosão de um passado, de que se libertam, em direcção a um futuro que tudo permite.

Há demasiada esperança no fim dessas frases para o meu gosto, hoje, mas, malgré moi, acredito nisso, como acredito na erosão dos sentimentos e do passado.

Só não acredito nas sobras. Anda toda a gente a me querer empurrar sobras pela goela abaixo. Logo a mim, que como tão pouco e, a comer sobras, prefiro o jejum. Uns querem empurrar-me as sobras do lanche de sábado, refeição frugal, mas sempre mais especial do que no correr da semana. Outros, mais fartos, querem empurrar-me as sobras do almoço de domingo.

Ora, façam-me o favor, eu não preciso de sobras, por diversas razões. A primeira, é que viro-me suficientemente bem na cozinha pra precisar de sobras, seja lá de que natureza forem. A segunda, é que já tive alguns tão especiais repastos, para mim preparados, que até parece mal contentar-me com restos de outros. A terceira, é que só acredito em reciclar para o meio-ambiente e não para o meu ambiente (sorry! não resisti ao trocadilho!). Se desisti de reciclar amores, os que foram meus mesmo, como alguém pode se lembrar de me querer despachar para a boca, para os braços (e para o resto) as sobras dos amores alheios?

Estava eu a falar de erosão e cheguei nas sobras, Freud deve ter alguma boa explicação para isto, mas não me venham pedir uma que, por hoje, é só.

PS: Ocorre-me, agora, que uma das frases lá em cima, é quase um plágio de um verso do Carlos Tê para o Rui Veloso: frágil a memória da paixão. Faço questão de atribuir o copyright de tão bela imagem, até porque remete-me a belas e preciosas imagens outras.

sexta-feira, 6 de junho de 2008

Para não mudar de assunto


Acho importante que se continue falando desse assunto, há fantasmas que precisam ser exorcizados muito tempo até que nos deixem em paz. Quando esses fantasmas assombraram durante 21 anos toda a população de um enorme país e, pelo menos, duas gerações de adultos foram razoavelmente afetadas por eles, os motivos tornam-se mais fortes.

Agrada-me, também, que o país onde ocorre esta iniciativa seja justamente (diferentemente do Brasil) onde mais se falou e onde mais se exorcizou a ditadura.

Gostaria de ter oportunidade de ir lá conferir, como não me parece possível, partilho a notícia. O que já não é mau, considerando que saber também é poder.

domingo, 1 de junho de 2008

Para quem tem a chave


Há novidades na casa de campo. Ou seria da árvore?

Ao lembrar do poeta quase pássaro,


como disse a moça da ÁguaViva, o tal que tomou veneno em Paris e que por "um pouco mais de sol", retomei um texto recente, em que eu era assim:

Acabo de ler "Cartas desde la ausencia" e, ainda que seja com o meu espanhol lleno de vacíos, fiquei arrasada e o livro caiu-me como uma bomba certeira, bem no centro dos meus "não seis" que eu tenho usado ultimamente para acalmar minha angústia. A angústia diante da certeza íntima de que estou no caminho mais rápido e mais reto para longe de mim. Longe de tudo em que acredito. Longe do meu desejo. Tenho medo de me afastar tanto que já não vou saber como regressar. Por isso escrevo.

Acho que o jogo era esse mesmo. Afastar-me de tal forma de mim que já não saberei voltar. Mas o que eu sou me puxa de volta e cá estou eu. Podia ser como todos, e criar mecanismos de flutuação, como pequenos prazeres e a própria inveja alheia como alimento para a minha diversão. O fato é que nunca me alimentou a inveja alheia, e eu mesma nunca fui boa em exercitar esse sentimento.

Mas a inveja alheia só me desalterna de mim mesma ou me faz retornar a mim, mais sedenta e sóbria, mais só e certa, mais curiosa do que se lhe opõe. A inveja alheia alimenta quem a sente, mas não me suja os pés, nem desencontra. Apenas desencanta a parte minha que ainda acreditava um pouco nesses alheios e que tem que deixar no caminho mais um copo vazio, mais uma cadeira recém-desocupada, mais um olhar de desencontro que ameaçou, um dia, encontro pleno e ficou só na promessa falsificada, como qualquer made in china que se preze.